 
          maio/junhode2012|
        
        
          
            RevistadaESPM
          
        
        
          
            73
          
        
        
          José Gregori
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            Na propaganda, a liber-
          
        
        
          
            dade de expressão está cronicamente
          
        
        
          
            ameaçada – há sempre projetos de lei no
          
        
        
          
            Congresso cerceando 90% das formas
          
        
        
          
            de anunciar. Não há grandes discussões
          
        
        
          
            quanto à presença do Estado e à neces-
          
        
        
          
            sidade de ele guiar o comportamento do
          
        
        
          
            indivíduo, impondo limites nem sempre
          
        
        
          
            agradáveis. Partindo deste ponto, que
          
        
        
          
            tipo de presença deveria ser essa?
          
        
        
          
            José Gregori
          
        
        
          – Este é um processo
        
        
          que abrange várias etapas. O Estado
        
        
          foi criado como o único instrumento
        
        
          para garantir certos direitos bási-
        
        
          cos que todos têm pelo fato de serem
        
        
          criaturas humanas. A Declaração de
        
        
          Independência dos Estados Unidos,
        
        
          redigida por Thomas Jefferson, é, diga-
        
        
          mos, a peça demaior clareza a respeito
        
        
          disso. Precisamos partir do conceito
        
        
          de que viemos ao mundo portadores
        
        
          de uma dignidade intrínseca que nos
        
        
          distingue de uma árvore, de um pás-
        
        
          saro oude uma lagoa. Para não ser algo
        
        
          abstrato, que só existe empoesia, essa
        
        
          dignidade fundamental sematerializa
        
        
          em certos direitos. E o que expressa
        
        
          objetivamente essa dignidade são os
        
        
          direitos básicos, fundamentais. A cria-
        
        
          çãodoEstado é algoque vemdepois...
        
        
          
            JR
          
        
        
          –
        
        
          
            Depois da criatura humana
          
        
        
          .
        
        
          
            José Gregori
          
        
        
          – Depois da conscien-
        
        
          tização de que essa criatura humana
        
        
          é portadora de uma dignidade funda-
        
        
          mental, aí surge a questão do Estado
        
        
          como um instrumento que histori-
        
        
          camente foi o mais adequado para
        
        
          garantir a cada um esses direitos. Não
        
        
          podemos perder isso de vista porque
        
        
          admitir que somos “criaturas do Esta-
        
        
          do” é dar o primeiro passo para o tota-
        
        
          litarismo. Nós invertemos a equação:
        
        
          o Estado foi criado pela história da
        
        
          criatura humana, que na sua evolução
        
        
          procura por melhores instrumentos
        
        
          para assegurar a dignidade fundamen-
        
        
          tal expressa emcertos direitos.
        
        
          
            JR
          
        
        
          
            – Quando estudei na faculdade, ha-
          
        
        
          
            via duas vertentes contraditórias em re-
          
        
        
          
            lação ao papel do Estado: uma represen-
          
        
        
          
            tada pela obra de Jean-Jacques Rousseau
          
        
        
          
            e, outra, por Thomas Hobbes. O primeiro
          
        
        
          
            dizia que os homens nascem bons e, se
          
        
        
          
            não forem corrompidos pela sociedade,
          
        
        
          
            todos se entendem muito bem. Já Hob-
          
        
        
          
            bes, com a história do Leviatã, afirmava
          
        
        
          
            que o homemé o lobo do homeme o Esta-
          
        
        
          
            do precisa existir para evitar que os seres
          
        
        
          
            humanos se matem. Será que o homem é
          
        
        
          
            intrinsecamente mau e o Estado precisa
          
        
        
          
            controlá-lo ou o homem é bom e o Estado
          
        
        
          
            só serve para atrapalhar?
          
        
        
          
            José Gregori
          
        
        
          – Para responder a essa
        
        
          pergunta é preciso ter a perspectiva
        
        
          evolutiva. Até hoje, um mistério não
        
        
          decifrado pela filosofia e mesmo pelas
        
        
          religiões é saber por que não viemos
        
        
          perfeitos e acabados. Por que somos
        
        
          produtos de uma longa, penosa, so-
        
        
          frida e às vezes até cruel evolução?
        
        
          Os fatos apontam mais no sentido de
        
        
          que vivemos sempre respeitando o
        
        
          pai e o avô, mas querendo fazer mais
        
        
          e melhor do que eles fizeram. Se não
        
        
          fosse assim, estaríamos ainda nas
        
        
          cavernas. As dualidades por essesmis-
        
        
          térios sempre existiram, nunca houve
        
        
          apenas a perfeição, a bondade ou a
        
        
          injustiça. Isso pode ferir a lógica, mas
        
        
          é possível que tenha tornado a vida
        
        
          mais fascinante. À medida que vamos
        
        
          tomando pé dessa realidade, nos con-
        
        
          vencemos de que temos de lutar. Não
        
        
          somos seres passivos, que aceitamos
        
        
          as coisas mecanicamente. Temos de
        
        
          imprimir nossa marca em qualquer
        
        
          setor. Nesse sentido creio que Rous-
        
        
          seau está mais próximo das coisas
        
        
          como elas se passaram. Mas Hobbes
        
        
          também tem razão quando diz que o
        
        
          homem é um ser capaz de maldades.
        
        
          Da mesma maneira como aceitamos
        
        
          essa dualidade, o homem criou o sen-
        
        
          tido de justiça, de superar o império da
        
        
          maldade sobre a bondade. Não somos
        
        
          produtodoEstado. OEstadoéquedeve
        
        
          ser produto da nossa contribuição, da
        
        
          nossa maneira de ser e dos direitos
        
        
          fundamentais que temos. Esse é o
        
        
          panode fundoda discussão.
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            Com este pano de fundo, é
          
        
        
          
            evidente que não podemos nos limitar à
          
        
        
          
            dicotomia bondade e maldade, porque,
          
        
        
          
            para lidar com isso, o Estado não usa
          
        
        
          
            meias-palavras, usa a força. O Estado
          
        
        
          
            obriga o indivíduo a comportar-se confor-
          
        
        
          
            me as leis. Há uma infinidade de leis – no
          
        
        
          
            trânsito, por exemplo, temos a obrigato-
          
        
        
          
            riedade do cinto de segurança e a proibi-
          
        
        
          
            ção de falar ao celular enquanto se dirige.
          
        
        
          
            Tudo isto é plenamente explicado. Há,
          
        
        
          
            entretanto, os que dizem que, ao tomar
          
        
        
          
            estas medidas, o Estado procura plasmar
          
        
        
          
            o indivíduo de acordo com o seu ideal, o
          
        
        
          
            indivíduo perfeito, que estaria contra este
          
        
        
          
            princípio básico do qual estamos falando.
          
        
        
          
            José Gregori
          
        
        
          – Exatamente. Por cau-
        
        
          sa da recordação histórica, somos
        
        
          obrigados a saber que existem vários
        
        
          
            “Não somos produto
          
        
        
          
            do Estado. OEstado é
          
        
        
          
            que deve ser produto
          
        
        
          
            da nossa contribuição,
          
        
        
          
            da nossamaneira
          
        
        
          
            de ser e dos direitos
          
        
        
          
            fundamentais
          
        
        
          
            que temos”