Revista ESPM Mai-Jun 2012 - NEM BABÁ, NEM BIG BROTHER a eterna luta do indivíduo contra o Estado - page 65

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Considerando a LAI, recentemente aprovada, isso
poderia parecer até contraditório, mas não é. Uma coisa
é a transparência da informação nos órgãos públicos,
outra é a necessidade de proteger o cidadão de abusos
no uso de seus dados. Isso porque há hoje uma grande
oferta de serviços gratuitos, que na verdade são pagos
com informações que depois são utilizadasmuitas vezes
para propósitos que o usuário nem imagina.
Como viabilizar o direito ao protesto pacífico na inter-
net e aomesmo tempo garantir a segurança dos internau-
tas, coibindo ações que tiram do ar websites de serviços
de utilidade pública prejudicando milhares de pessoas?
Como exposto, há um limite bem sutil entre liberdade e
abuso. Isso só consegue ficar mais bem definido com in-
vestimento emeducação, primeiro ponto que apontamos
como essencial para garantir a própria liberdade.
Pegando esse gancho, entramos na discussão da ne-
cessidade de novas leis que tipifiquemos crimes digitais.
Em muitos casos, eles são apenas um novo
modus ope-
randi
de um crime antigo, já previsto no Código Penal,
mas, em algumas situações, trazem uma nova conduta,
não tratada ainda como ilícita pelo ordenamento jurí-
dico. Como exemplo, temos o crime de fazer um vírus
ou o de disseminar um arquivo malicioso, ou ainda o
crime de invadir uma rede, um computador, ou mesmo
o celular de uma pessoa, para obter dados.
Desde 1999, o Brasil discute o projeto de lei de crimes
eletrônicos, por meio do Projeto de Lei 2.793/2011, de
autoria do deputado Paulo Teixeira, que propõe alterar
o Código Penal brasileiro para tratar de crimes como a
invasão de dispositivo informático (Art. 154-A); a inter-
rupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico,
informático, telemático ou de informação de utilidade
pública (Art. 266); e a falsificação de documento parti-
cular e de cartão (Art. 298). (
Ver boxe na página ao lado
.)
Nem o ataque das quadrilhas fez o projeto andar,
como o efeito “Carolina Dieckmann”. O vazamento
de fotos íntimas de uma celebridade trouxe à tona
novamente a importância de se aprovar uma lei como
essa. Isso porque a liberdade de um vai até onde não
fira o direito de outro. Mas é bem difícil legislar sobre
a matéria, pois exige conhecimento técnico. Além
disso, o computador não consegue, como testemunha
que é, diferenciar uma conduta dolosa (com intenção)
de uma culposa (sem intenção), o que faz com que
haja possibilidade de criminalizar condutas que, em
tese, seriam inocentes, como mandar um vírus de
computador para outra pessoa sem querer.
Precisamos, sim, aprender a usar a tecnologia de
forma ética, segura e legal. A liberdade não pode se
tornar uma bandeira para proteção de criminosos. O
anonimato, por si só, estimula prática de ilícitos. Há
necessidade de o Estado ter uma atuação social forte,
mas que garanta a livre iniciativa com o mínimo de
intervenção possível.
Concluindo, independentemente do modelo que se
adote no futuro para regular melhor a relação entre o
Estado e o indivíduo, sabemos que a perda da crença
na própria Justiça pode criar uma próxima geração,
herdeira da geração Y, que faz justiça com o próprio
mouse
. E aí teremos voltado para o estado de natureza,
o que representará um grande retrocesso. A informação
tem de construir e não banalizar, além de estimular
a evolução da humanidade cada vez mais solidária e
comprometida. O excesso de individualismo nos torna
mais animais. Como dizia Thomas Hobbes, “o homem
é o lobo do homem”.
Patricia Peck Pinheiro
Especialista em direito digital, formada pela Universidade de São
Paulo, fundadora da Patricia Peck Pinheiro Advogados, autora do livro
Direito digital e do eBook iMarketing – direito digital
na publicidade (twitter: @patriciapeckadv)
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