 
          maio/junhode2012|
        
        
          
            RevistadaESPM
          
        
        
          
            75
          
        
        
          José Gregori
        
        
          
            liberdade que tem o indivíduo de decidir
          
        
        
          
            o que é melhor para si. Até que ponto isto
          
        
        
          
            permanece nesta análise?
          
        
        
          
            José Gregori
          
        
        
          – Vivemos emsociedade.
        
        
          Só na ficção existe a possibilidade de
        
        
          alguém construir o projeto da sua vida
        
        
          apartado do seu semelhante. Para esta
        
        
          vida em sociedade não virar um caos,
        
        
          certas restrições são impostas à deci-
        
        
          sãodecadaumembenefíciodo funcio-
        
        
          namento geral. O individualismo tem
        
        
          de ser respeitado, mas também não
        
        
          podemos negar a necessidade que se
        
        
          tem na vida em sociedade de colocar
        
        
          limites cooperativos. Praticando o
        
        
          estado democrático de direito, temos
        
        
          uma enorme necessidade de cuidar
        
        
          da educação com qualidade, porque
        
        
          é ela que vai dar a todos esse sentido
        
        
          de equilíbrio. A noção de que o indivi-
        
        
          dualismo tem de ser temperado com
        
        
          o coletivismo. Mesmo que estejam
        
        
          na Constituição, essas leis não têm
        
        
          eficácia comparável à que recebemos
        
        
          nos bancos escolares ou na família.
        
        
          É difícil imaginar a sobrevivência de
        
        
          um estado democrático de direito que
        
        
          seja inculto e avesso à boa educação,
        
        
          porque o bom funcionamento dele
        
        
          vai temperar boas leis e também boas
        
        
          morais – aquilo que o indivíduo recebe
        
        
          antes de ingressar na vida em socieda-
        
        
          de. Nesse sentido, o Brasil está no bom
        
        
          caminho, o que não significa que as
        
        
          pessoas cruzem os braços porque os
        
        
          dirigentes estão velando por elas. Esse
        
        
          modelo impõe um aumento gradativo
        
        
          da vida participativa. É preciso que
        
        
          haja participação, entidades e questio-
        
        
          namentos. A Anvisa, para alguém que
        
        
          queira zelar pela saúde, é um avanço.
        
        
          Mas é preciso saber se esse zelo tem
        
        
          fundamentação em cada passo dado
        
        
          pela Anvisa, que realmente esteja a be-
        
        
          nefício da minha saúde e não da saúde
        
        
          de seus dirigentes.
        
        
          
            JR
          
        
        
          –
        
        
          
            O livro
          
        
        
          Estado Babá
        
        
          
            (
          
        
        
          “The Nanny
        
        
          State”
        
        
          
            ), do americano David Harsanyi,
          
        
        
          
            mostra que não é um problema exclusi-
          
        
        
          
            vamente nosso. Com exemplos tirados da
          
        
        
          
            vida nos Estados Unidos, o autor mostra
          
        
        
          
            que o Estado está ultrapassando limites,
          
        
        
          
            definindo questões em relação a como as
          
        
        
          
            comunidades devem se organizar ou se
          
        
        
          
            as pessoas devem ou não ter cachorros.
          
        
        
          
            Por que isso acontece em sociedades até
          
        
        
          
            mais evoluídas do que a nossa?
          
        
        
          
            José Gregori
          
        
        
          – Tenho umpouco de ce-
        
        
          rimônia em aceitar que existam socie-
        
        
          dadesmais evoluídas doque anossa.
        
        
          
            JR
          
        
        
          –
        
        
          
            Mais organizadas
          
        
        
          .
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            Diferentes da nossa
          
        
        
          .
        
        
          
            José Gregori
          
        
        
          – Talvez isso. Eu usava
        
        
          a Noruega como um exemplo de lugar
        
        
          onde os direitos humanos estavam
        
        
          aculturados e sendo vividos concre-
        
        
          tamente até aquela tragédia do fim
        
        
          do ano passado, quando um homem
        
        
          pegou um fuzil e matou mais de 100
        
        
          pessoas emnome de ideias próprias.
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            Aconteceu coisa muito pior
          
        
        
          
            na Alemanha nazista, com os grupos pa-
          
        
        
          
            ramilitares nazistas. Muito mais eficiente
          
        
        
          
            que criar regras é trabalhar os valores
          
        
        
          
            em que as pessoas acreditam para que o
          
        
        
          
            comportamento seja ditado pelo interior
          
        
        
          
            do próprio indivíduo. Isso explica, por
          
        
        
          
            exemplo, a diferença entre o Japão e o
          
        
        
          
            Brasil em termos de disciplina coletiva.
          
        
        
          
            O Estado de Israel compreendeu a neces-
          
        
        
          
            sidade de influir nos valores e, também,
          
        
        
          
            que não podia deixar isto a cargo exclu-
          
        
        
          
            sivamente da família. Dessa forma, o sis-
          
        
        
          
            tema escolar israelense tem como função
          
        
        
          
            criar e modificar valores, mais condizen-
          
        
        
          
            tes com os objetivos do Estado. Não é à
          
        
        
          
            toa que os melhores soldados deles são os
          
        
        
          
            que vêm dos kibbutzim, onde a família é
          
        
        
          
            proibida de educar a criança. Isso é uma
          
        
        
          
            coisa antiga do tempo do Burrhus Frede-
          
        
        
          
            ric Skinner, que escreveu o livro
          
        
        
          Beyond
        
        
          freedom and digntity
        
        
          
            (
          
        
        
          “Para além da
        
        
          liberdade e da dignidade”
        
        
          
            , Editora Edi-
          
        
        
          
            ções 70 – Brasil). Ele dizia que algo além
          
        
        
          
            da liberdade e da dignidade deveria ser
          
        
        
          
            considerado para obter uma sociedade
          
        
        
          
            mais civilizada. Enfim, onde ficamos?
          
        
        
          
            José Gregori
          
        
        
          – Creio que a equação
        
        
          está formada nesta nossa conversa,
        
        
          porque falamos dos direitos básicos,
        
        
          do Estado e também da escola e da
        
        
          família – que são os polos geradores
        
        
          de formação, consciência, critérios.
        
        
          O Estado intervém demais quando a
        
        
          escola falha ou a família derrapa. O
        
        
          ideal é que essas questões fundamen-
        
        
          tais de atitude e reconhecimento de
        
        
          valores sejam, em grande parte, uma
        
        
          conquista de família e da escola, desde
        
        
          o ensino fundamental. Esta profusão
        
        
          de leis no Brasil é uma das manifesta-
        
        
          ções da insuficiência da nossa escola,
        
        
          principalmente da escola pública, que
        
        
          
            “Praticando o estado
          
        
        
          
            democrático de direito,
          
        
        
          
            temos uma enorme
          
        
        
          
            necessidade de cuidar
          
        
        
          
            da educação com
          
        
        
          
            qualidade, porque é ela
          
        
        
          
            que vai dar a todos esse
          
        
        
          
            sentido de equilíbrio”