Revista ESPM Mai-Jun 2012 - NEM BABÁ, NEM BIG BROTHER a eterna luta do indivíduo contra o Estado - page 74

Revista da ESPM
|maio/junhode 2012
74
entrevista
modelos de Estado. No Brasil, não
optamos pelo Estado totalitário, pelo
Estadoautoritário, sequer peloestadis-
mo. Depois da Constituição de 1988,
adotamos o estadode direitodemocrá-
tico, em que a força, o poder do Estado
tem de se exercer, rigorosamente, os
limites estritos da lei. Todas as regras
emanam de uma prévia combinação,
digamos rousseauniana, que fizemos,
delegando poderes aos nossos repre-
sentantes para que eles defendam os
nossos direitos básicos. Toda vez que
uma lei não respeitar esta combina-
ção, ela será inconstitucional. Esta
discussão será sempre oportuna, por-
queháuma tendênciadehipertrofiar o
Estado e hiperalargar o Estado. Temos
de fazer como se estivéssemos cui-
dando da saúde: não é por não termos
febre ou hemorragia, que não temos de
controlar a pressão ou o colesterol. O
Estado é igual. De tempos em tempos,
devemos fazer uma reflexão se esse
modelo pelo qual optamos está sendo
respeitadonos limites ouestáhavendo
algumas tentações do Estado absoluto
ou totalitário.
Gracioso
E até que ponto isso deveria
ser tolerado ou não?
José Gregori
–A intolerância seráape-
nas quando a pessoa não tiver a Cons-
tituição do seu lado. A Constituição foi
suficientemente benfeita para deixar
claro que o nossomodelo é o do estado
democrático de direito, que representa
o exercício do equilíbrio. O que ferir
isso, ainda que em nome do coletivo e
da segurança geral, deve ser muito re-
fletido. NoEstado totalitário, o ditador,
o partido único, a seita, os monges ou
os generais não têmomenor interesse
em fazer esse equilíbrio, basta a von-
tade deles. Já o estado democrático de
direito cria uma série de mecanismos
para nosmanter sempre fiéis aomode-
lopeloqual optamos.
JR
Há alguns anos, a ESPM parti-
cipou de um grupo de trabalho para a
elaboração de um código de ética para
o profissional de marketing. Tivemos
uma experiência muito interessante com
o jurista Gabriel Lacerda, que também
fez parte desse grupo. Um dos nossos
companheiros queria que constasse no
código de ética o respeito às leis do país.
Odoutor Gabriel não permitiu, alegando
que a quantidade de leis, considerando
todas as instâncias legislativas, é de tal
ordem que há leis contraditórias e injus-
tas. Portanto, um verdadeiro código de
ética não pode aceitar todas as leis como
boas. Considerando que a Constituição é
uma lei maior e “boa”, um número razoá-
vel de leis ruins não deveria existir. Como
o cidadão deve se comportar em relação
a essa contradição?
José Gregori
– A receita no Brasil foi
dada pelo jurista Rui Barbosa: “Lei é lei
e deve ser respeitada”. Se ferir aConsti-
tuição, a ética coletiva ou o sentimento
cultural, ela deve ser corrigida, não
desrespeitada. Democraticamente,
temos mecanismos para anular a lei
que não obedece aos princípios do es-
tado democrático de direito. A posição
do doutor Gabriel Lacerda é legítima,
porque se trata de um código de ética,
e ética é algo que vem antes da lei, é
uma questão interna do indivíduo,
que pode não aceitar um determinado
comportamento admitidopela lei.
JR
Pode ser o contrário, a lei pode im-
por alguma coisa que fira os princípios.
José Gregori
– Sim, mas esse tipo de
contradição entre a ética ou o querer
coletivo com o que está na lei não
pode ser umato voluntarista. O estado
democrático de direito oferece hoje
ações e meios legais para você anular
essa lei. Os tribunais estão anulando e
declarando inconstitucionais muitas
leis.
JR
Outra questão é de onde emanam
as leis. Por exemplo, nós que atuamos na
área de comunicação emarketingmuitas
vezes nos deparamos com entidades que
não são legisladoras. São organismos do
Estado que têm uma determinada fun-
ção e que emanam normas ou circulares,
não são leis. Um exemplo clássico é a
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária), que nos últimos anos tem pro-
duzido uma série de normas restritivas
em relação à saúde, à alimentação – até
sobre a publicidade –, que são muitas
vezes questionadas. Afinal, esse organis-
mo do Estado tem o poder de determinar
como os cidadãos devem comportar-se
em certas circunstâncias?
Gracioso
É a velha e eterna questão:
a liberdade de expressão individual e a
“AConstituição
foi suficientemente
benfeita para deixar
claro que o nosso
modelo é o do estado
democrático de direito,
que representa o
exercício do equilíbrio”
1...,64,65,66,67,68,69,70,71,72,73 75,76,77,78,79,80,81,82,83,84,...116
Powered by FlippingBook