Revista ESPM Mai-Jun 2012 - NEM BABÁ, NEM BIG BROTHER a eterna luta do indivíduo contra o Estado - page 57

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para satisfazer a esse direito de saber o que se passa, que
todo cidadão tem e o jornalista é fiel depositário”.
Além dos jornalistas, há outros protagonistas envol-
vidos nessa teia tão complexa que é a cobertura pela
imprensa de casos criminais, daí por que tema tão
espinhoso não deve ser adstrito ao ambiente do jorna-
lismo. É preciso avançar e suscitá-lo no universo dos
profissionais do direito.
Afinal essa lógica da devassa realizada pela imprensa
só é possível graças a uma relação simbiótica da imprensa
commuitos operadores do direito. É óbvio e ululante que a
imprensa, por exemplo, não deixará de publicar informa-
ções de processo que corre em segredo de Justiça. O que a
imprensa precisa obrigatoriamente fazer é avaliar a rele-
vância, o interesse público da informação a ser revelada.
Bucci analisa tal questão do ponto de vista do jorna-
lismo: “A sociedade não pode ficar refém daquilo que os
poderes do Estado consideram ou não consideram sigilo-
sos. Bem ao contrário, a democracia precisa da imprensa
justamente porque ela é a única capaz de tornar públicas as
decisões que o poder gostaria de tomar às escondidas. Para
que uma sociedade precisa de jornais livres senão para
revelar segredos? O que é uma notícia senão um segredo
revelado? Eis o núcleo da missão da imprensa: investigar
e fiscalizar o poder, informando o cidadão. Sem isso não
há segurança democrática. Guardar o sigilo de Justiça é
função dos juízes. A função da imprensa é descobri-lo e,
a partir daí, considerar a necessidade de publicá-lo. Em
liberdade. A posteriori, e apenas a posteriori, ela poderá
ser responsabilizada, aí sim, na Justiça, pelos excessos
que vier a incorrer”.
Com diferente enfoque, a professora e conselheira do
Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Flávia
Rahal, traz considerações relevantes sobre as conse-
quências nefastas da publicidade no processo penal e
dos atores envolvidos na espetacularização do crime:
“O processo penal por si só tem o peso da infâmia para
aquele que sofre e, ainda, para a própria vítima. Por outro
lado, o Estado, na persecução dos fins punitivos, exerce
a atividade investigatória que leva quase que automati-
camente a uma violação da vida privada do indivíduo.
A superexposição do processo pela mídia é fermento
para essas duas circunstâncias: acrescenta ainda mais
infâmia ao fato e torna a invasão da vida privada ainda
mais profunda”. Nessa linha de raciocínio, Flávia Rahal
vai adiante e questiona o papel exercido pelos operadores
do direito nessa relação simbiótica com a mídia.
São inegáveis os abusos cometidos pela mídia, porém a
informação que nutre a imprensa é fruto da conduta ainda
mais reprovável de delegados, promotores e juízes que,
em vez de zelar pela observância dos direitos e garantias
individuais penais, alimentam de maneira sórdida esse
espetáculo do crime. É o delegado que disponibiliza para a
imprensa filmar e entrevistar aquele que está sob a custó-
dia do Estado; que permite à imprensa acompanhar a reali-
zação de prisões nasmadrugadas, flagrando o investigado
ainda de pijamas; o juiz que libera decisão para jornalistas
e não para defesa; o promotor que se presta ao papel de
levar câmera escondida para filmar audiência de processo
que corre sob segredo de Justiça, entre tantos exemplos.
Assim sendo, deve haver um olhar mais holístico
para a questão. Não dá mais para ignorar o fato de que
as outras instituições envolvidas também precisam to-
mar medidas para prevenir a ocorrência desses abusos
cometidos pelos operadores do direito. É preciso dar um
basta emcomportamentos corporativistas para o bemda
democracia e da distribuição da justiça.
Por tudo isso, é crucial dedicar especial atenção à for-
mação dos profissionais de jornalismo e direito.
No mais, cabe ao Judiciário exercer a difícil tarefa de
equilibrar os mandamentos constitucionais que nor-
teiam a cobertura jornalística de casos criminais. Por
um lado, é extremamente importante que a instituição
esteja atenta à propositura de ações indenizatórias como
instrumento de intimidação para cercear a liberdade de
imprensa e de expressão. Por outro, o Judiciário tam-
bém desempenha papel decisivo no sentido de difundir
uma cultura de maior responsabilidade dos meios de
comunicação. A censura prévia é incompatível com a
democracia, mas a imprensa precisa ser devidamente
responsabilizada pelos abusos que vier a cometer.
Da mesma forma que os desvios do poder estatal, a má
atuação policial e o mau julgamento têm de estar sob o
escrutínio da sociedade, a imprensa não deve se eximir
da sua responsabilidade. Afinal, o mau jornalismo tam-
bém tem de prestar contas à sociedade.
Marina Dias
Advogada criminal e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa
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