Revista ESPM Mai-Jun 2012 - NEM BABÁ, NEM BIG BROTHER a eterna luta do indivíduo contra o Estado - page 43

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Penguin). A liderança da elite na organização do Estado
brasileiro sempre foi a de projetar uma imagem de força
para obter o aval da população.
Somos ou não programados para obedecer às autori-
dades? O “contrato” diz que sim. Fomos educados para
obedecer a ordens dadas pelas autoridades; como sim-
ples agentes, deixamos de assumir responsabilidades e
obedecemos pacificamente. Não somos preparados para
desenvolver uma reação cidadã, democrática e popular.
É bom lembrar que o “contrato” deixa claro que a autori-
dade vem com o cargo, e isso é inegociável. Outra lição
de Maquiavel que se aplica ao longo do tempo na nossa
história é a de que o medo é uma forma de conquistar
e manter o poder. A educação escolar replicou durante
muito tempo o dever de obedecer, e não de reagir, ao que
nossa consciência não aceita. É assim, porque sempre
foi assim e vai ser assim. Afinal, estar coletivamente
errado é mais seguro do que estar individualmente
errado. As elites aprenderam com Adam Smith que a
primeira superioridade para se introduzir a submissão
é a qualificação de força. E a praticaram. Já Karl Marx
identificou a formação dessa elite: “A compra da força de
trabalho por umperíodo fixo é o preâmbulo do processo
de produção, e esse preâmbulo é constantemente repe-
tido quando o prazo estipulado chega ao fim, quando
um período definido de produção, como uma semana
ou ummês, tenha decorrido”. Ou seja, o que chamou de
enriquecimento através da acumulação demais-valia ou
excedente de capital.
Até mesmo a Constituição de 1988 foi fruto das
vontades das elites organizadas, e o partido popular,
representado pelo PT, se recusou a assiná-la, ainda que
posteriormente tenha aderido e se aliado às elites a que
tanto se opunha. A ausência de participação popular, da
organização das forças populares de pressão, facilitou o
advento de um Estado tutelar, capaz de impor, de cima
para baixo, as regras do contrato social. Esse elitismo se
manifestou desde a primeira Constituição republicana,
e as elites se sucedem com o passar dos anos. Um grupo
eleito, representante das elites, obteve a procuração para
assinar o contrato em nome de todos. Um processo de-
mocrático apenas no formalismo. A última Constituição
deixou uma brecha considerável às PECs (Projetos de
Emendas Constitucionais), uma saída para “aprimorar”
o texto constitucional.
AtradiçãomostraquenemmesmooEstadocumprecom
o contrato, uma vez que os governos têmmecanismos de
desobediência. O Estado republicano nasceu laico e, no
entanto, a moeda nacional diz que nós acreditamos em
Deus, os símbolos religiosos cristãos estão espalhados
pelos prédios públicos até hoje. No Congresso, bancadas
religiosas querem impor a todos as suas convicções, como
nocasododebatesobreoaborto,ocasamentohomossexual
e tantas outras questões. O Estado aprimora suas defesas
que, no fundo, éamanutençãodavontadeedasconcepções
de vidada elite. Elas julgamser o farol que vai nos conduzir
aumasociedademaisaberta,justaesolidária.Aindanãohá
organização comunitária, local e popular. Por isso, não há
cidadania. Amaior parte da população brasileira continua
sendo objeto, e não sujeito, de sua história. A identidade de
um homem não pode mais ser avaliada socialmente ape-
nas pelo que ele possui, mas pelo que faz. Parafraseando
Edmund Burke, a única coisa necessária para o triunfo da
elite é que os demais nada façam.
Ocomportamentodasociedade sugerequeeuconsidere
que o Estado invade aminha privacidade quando atropela
minhas convicções pessoais. Mas é justo quando invade a
privacidade dos outros para impor as minhas convicções.
Isso demonstra que há uma disputa do seu controle não
para reorganizá-lo de uma forma democrática, mas de
manipulá-lo de acordo com os interesses de quem tem
o poder. As mudanças ocorridas na sociedade brasileira
na última década, os confrontos políticos e ideológicos,
a ascensão econômica de novas classes sociais, a nova
comunicação através das redes sociais, a globalização da
economia e a impossibilidade de segurar notícia são os
motores que movem essas mudanças. Afinal, como diz
Rosa Luxemburgo, quem não se movimenta não percebe
as correntes que o prendem.
Heródoto Barbeiro
Escritor e jornalista da Record News TV
“OsfracosnãovãoherdaraTerra,
masosaliadosterãomaischances
deajudaraherdarporeles”
Nicolau Maquiavel
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