Marco_2007 - page 108

Consumir é
pecado?
relacionado, nomeio acadêmico, ao
sistema capitalista. E, demodo geral,
os acadêmicos tradicionais são de
esquerda.Marxdefendiaaprodução;
então, estuda-se e endeusa-se a
produção, mas não o consumo. Para
queproduzirsenãohouverconsumo?
Hoje,nomeioacadêmico,estuda-seo
consumo commenos culpabilidade,
mesmoporque acabou essa visãode
esquerdaedireita.Umexemplo:há7
anos, tentei inscrever-menodoutora-
donaUSP, estudandoconsumo.Não
havianenhuma áreaque estudasseo
assunto.Naantropologia,estudavam-
se os índios damargem esquerda do
rio Tapajós; na sociologia nada, em
psicologia,menos ainda.
JEAN
–Na área de neuropsiquiatria,
existe o que se chama de “distúrbio
compulsivo de compra”. Apesar de
ser, talvez, ideal–paraquem trabalha
commarketing e publicidade – ter
esse tipodepessoa, isso tornou-seum
problema, que afeta mais oumenos
6% da população. Em termos de
neurobiologia, a compra é baseada
no impulso, e pode ser estimulada.
Vocês, que são da área de induzir o
consumo, sabem disso. Automóveis,
por exemplo, produzem o impulso
dodesejo,ocheirodocarronovo,da
cor, associação com status. Então se
nos centrarmos no racionalismo, não
venderemosnada...
JR
– Posso fazer-lhe uma pergunta?
Há comportamentos compulsivos
em relação a várias coisas: assédio
sexual, cleptomania, violência. Esse
– de compra – a que você se refere,
seriaumentrevários?
JEAN
–Não.Éummaldocapitalismo,
noconsumismo. Éumamanifestação
que se produz num ambiente em
que se tenta aumentar o consumo,
a produção, a riqueza. Atualmente,
a neurobiologia está propondo que
a publicidade e o marketing não
devem serdirigidosparacrianças.Os
países escandinavos já proíbem isso,
porque provoca uma transformação
bioquímica cerebral emudaomodo
depensar.Elesproíbema televisãode
passaranúncioemprogramas infantis
e toda a publicidade dirigida ao pú-
blico infantil.
JR
–Vocêsabiaqueomaiorpúblicoinfan-
tildaTVbrasileiraéodanoveladasoito?
JEAN
–Comcerteza,mas lánão tem
isto. Morei na França; como país
socialista, eles têmumapolítica edu-
cacional de consumo dirigido, coisa
quenósnão temos.
CLOVIS
– Respondendo à pergunta
do J. Roberto, acho que o consumo
pode ser pecado. De alguma ma-
neira, o consumo é uma forma que
temosdecomunicaraosoutrosquem
somos. A própria sociedade cobra-
nos um discurso identitário. Todas
as vezes que conhecemos alguém,
por exemplo, somos constrangidos
adizer quem somos, oque fazemos,
doquegostamosetc.Oconsumo tem
assumido a primazia como critério
de definiçãodo eu, como agente so-
cial.De alguma forma, na sociedade
contemporânea,dizemos:“consumo,
logoexisto socialmente”.Ou seja, eu
digo aquiloque só eu sou,mas que
também legitime o pertencimento
a esteou àqueleuniverso social.As
manifestaçõesdeconsumocomuni-
camatributosque sãomeuse–com
isso – me autorizam a participar
de um grupo que também tenha
hábitos de consumo equivalente;
de tal maneira que, ao consumir,
“EXISTEOQUESECHAMA
DEDISTÚRBIOCOMPULSIVO
DECOMPRA.”
113
MARÇO
/
ABRIL
DE
2007 – R E V I S T A D A E S P M
1...,98,99,100,101,102,103,104,105,106,107 109,110,111,112,113,114,115,116,117,118,...138
Powered by FlippingBook