Marco_2008 - page 127

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MARÇO
/
ABRIL
DE
2008 – R E V I S T A D A E S P M
HermanoRoberto
Thiry-Cherques
aorigemda inteligênciaéoamor, a
dedicação. Que a inteligência não
é anterior e, portanto, nãopode ser
superior ao eros e à filia. Segundo,
descobrimos, por meio da história
de Enkidu, que então se acreditava
queaperdada inocênciadomestica
o espírito selvagem.
Os elementos são os mesmos da
Bíblia, escrita três mil anos depois.
Mas a estrutura parece muito mais
atual. Evidencia o absurdo que é
o papel atribuído a Eva. Porque é
um contra-senso que uma mulher
tenha sido a portadora domal e do
pecado. Obviamente a história de
EnkiduenãoadaBíbliaéahistória
verdadeira. É claro que a mulher
não é a portadora do mal, mas do
bem; do amor e da humanidade.
Os redatores daToráouvirammal o
EspíritoSanto,que jamaiscometeria
um engano desses.
Tendoultrapassadoo relatodaCria-
ção, Smith seguiu febrilmente com
o seu trabalho. O que o estimulava
era a familiaridade do que lia. A
estrutura da epopéia nada tinha
que fosse inteiramente original,
ainda que tivesse permanecido
inédita por milhares de anos. Esta
familiaridade, esclareceria, quase
cem anos depois, Claude Lévi-
Strauss, tomando emprestadas as
idéias de Saussure, deriva do fato
de que todas as histórias, lendas e
mitos são inteligíveisporque trazem
com eles a razãohumana.Omovi-
mento estruturalista sustenta que
o significado de ummito não está
localizado no conteúdo manifesto
da narrativa, mas na sua estrutura
maisprofunda,nasua lógica interna.
Por istoahistóriadeGilgameshnão
parecia estranha a Smith.
O texto continuava. Depois do
fenômeno da humanização de
Enkidu, aconteceramvárias coisas,
até que ele foi levado à cidade
onde reinava o grandeGilgamesh.
Ambos erammuito fortes e tinham
o que hoje chamaríamos “espírito
de liderança”. Logo descobriram
que eram irmãos, de modo que,
inevitavelmente, terminaram por
se desafiar. Lutaram ferozmente,
infinitamente, até ficar claro que
nenhum dos dois podia ganhar,
porque ambos tinham a mesma
força. Então se tornaram amigos.
Seguiam-se várias peripécias em
que os dois heróis dividiam o pros-
cênio. Mas um dia Enkidumorreu.
Gilgamesh ficou muito triste. Na
sua dor, decidiu que não queria
Esteepisódio temamesmaestruturadaQue-
da de Adão, só que contada ao contrário.
Alémdemuitobonitoé, também, revelador.
Através dele confirmamos a antiguidade da
noção de que o que faz a humanidade no
homem é a razão, a inteligência.
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