Marco_2008 - page 129

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MARÇO
/
ABRIL
DE
2008 – R E V I S T A D A E S P M
HermanoRoberto
Thiry-Cherques
Ele era tão dedicado que, apesar de
ser ummodesto autodidata, conse-
guiu juntar-se à equipe de Rawlison
como assistente na decifração.
Revelou-seumprofissional extrema-
mente útil. Podia recordar o lugar e
o conteúdo de todas as tábuas que
havia decifrado. Era um obstinado,
um teimoso. De tal maneira que,
desoladopor ver o trabalhode tanto
tempo ficar incompleto, e, mordido
pelacuriosidade,decidiu irporconta
própria à Mesopotâmia procurar o
fragmentoperdidoda11
a
tabua.
Smith tinha consciência do des-
cabido da sua presunção. Ele
ocupava um posto secundário.
Além disto, ninguém pensaria
em bancar uma expedição ar-
queológica de um simples fun-
cionário sem títulos. Mas, na sua
obstinação, foi aos jornais, foi aos
financiadores, fez um escarcéu,
perseverou contra tudo e contra
todos até obter o que parecia im-
possível: financiar uma viagem ao
sítio arqueológico de Nínive.
Com a ajuda do Daily Telegraph
e com uma licença de seis meses
dada peloMuseu Britânico, Smith
chegouaConstantinoplaem1873.
Perdeu um tempo enorme para
obter a autorização do governo
otomano. É que a Sublime Porta
desconfiava, com razão, de ladrões
que se faziam passar por eruditos
e que alimentavam um florescente
mercadonegrode tábuasemescrita
suméria. Mas ao cabodedoisme-
ses de idas e vindas, com a autori-
zação emmãos, Smithmontou em
umcavalopelaprimeiravezna sua
vida e dirigiu-se às ruínas de Tell
all Kuyunjik, na margem do Tigre
em frente àMosul, onde jaziam as
ruínas da antigaNínive.
Outra parte da saga aguardava
Smith em Kuyunjik. O que ele
encontrou ali foi uma montanha
de entulho imensa, que continha
as ruínas de uma grande cidade.
Uma montanha que mal havia
sido arranhada pelos arqueólogos.
Tratava-se, literalmente,deprocurar
a famosaagulhanopalheiro.O frag-
mento da 11
a
tábua poderia estar
emqualquer parte sob seismetros
de escombros, em uma área com
três milhas de lado. Poderia ter
sido destruído pelo incêndio que
se seguiu à tomada de Nínive,
poderia, sobretudo, ter sido levado
por ladrões.
Sem se abalar, Smith encontrou o
poço que conduzia às ruínas da
Biblioteca de Assurbanipal. Logo
constatou que as pedras das pare-
des tinham sido removidas para
servir dematerial deconstruçãoem
Mosul.Mesmoantesde ser feitaem
pedaços e incendiada, a Biblioteca
foraum labirinto semfim.Chegaraa
ter30.000 tábuas.Agoraoselemen-
tos estruturais do edifício estavam
dispersos. Consistiam em uma
massa amorfa que não indicava
direções, que não fazia sentido,
no qual se chegava descendo por
um poço que não fornecia ilumi-
nação suficiente. Pois neste lugar
aconteceuo fatomais improvável
da história da arqueologia. Quer
porque tenha compreendido a
distribuição da estrutura arrui-
nada da Biblioteca, quer porque
tenha tido uma sorte incrível, em
14 demaio de 1873 Smith achou
o fragmento faltante.
Ele podia, afinal, ler a continua-
ção do que o havia espantado na
tarde em que iniciara a leitura da
tábuanúmeroonze. Elepercebera,
então, umaestruturanarrativa ime-
morial. Quase que a adivinhara.
Mas agora podia, finalmente, ter
certeza. Pressuroso, Smith separou
o fragmento de outros 384 que
levaria aoMuseu. Então leuoque
jádesconfiava,mas quenãopodia
ter certeza absoluta.
No fragmento estava escrito que
Gilgamesh continuou a buscar a
imortalidade até que chegou à ilha
ondemorava o velhoUtnapishtim.
Perguntou a ele como conseguira
a imortalidade. Utnapishtim lhe
contou que vivia tranqüilamente,
cuidando de sua família e da sua
vida,quandoEnki,odeusdaságuas
doces, se revelou em sonho e lhe
deu instruções. Utnapishtim seguiu
religiosamente essas instruções:
tomou toda a colheita que possuía,
tomou seusfilhos enoras, tomouos
animais da terra, macho e fêmea,
dois a dois, e os fez embarcar em
uma arca. Caiu então um dilúvio
Na mesma ocasião, Smith conhecera Sir
Henry Rawlison, o decifrador da escrita
cuneiforme.
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