Janeiro_2007 - page 44

Ives
Gandra
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JANEIRO
/
FEVEREIRO
DE
2007 – R E V I S T A D A E S P M
que eram perseguidos, mas tinham
sua profissão, que trabalhavam. O
Vaticanoperdeu todososseusestados
pontificiais, a Itália seunificaea sua
“função” passa a ser eminentemente
espiritual; nãoadeadministrar bens.
Foi quando houve o Concílio Vati-
cano. OVaticano II decide que “um
leigo é tão importante quanto um
sacerdote, qualquer que seja sua
atividade legítima”.Mas sóem1964
isso foi confirmado, e todos podem
absolutamente conviver com essa
maneirade ser. Entreos protestantes,
a tentativa de vincular o sucesso de
umapessoaa seragraciadoporDeus
era a visão calvinista, que deu a im-
pressãodequeaspessoas têmde ser
bem-sucedidas... Mas, voltando ao
problema da empresa: indiscutivel-
mente – eu estou convencido – se o
homemnão tiveralgumasbarreiras in-
ternas,emmatériadeespiritualidade,
e a ética como reflexo natural da
vidahumana–os negócios vãoficar
como no romance de Dostoievski,
Os irmãosKaramazov
: “SeDeusnão
existe, tudoépermitido”. SemDeus,
então, trata-se apenas de fazer o
melhor negócio. Creio que a grande
evolução foi quando se começou
a perceber, coletivamente – ainda
sem falar em religiosidade – que a
ética é importante. Você pega, por
exemplo, o capitalismo selvagemdo
séculoXIX,oShermanAct,oClayton
Act –opoder de controlar a concor-
rência, a própria natureza humana,
que termina corrompendo governos,
empresáriosetc.Mashojesinto,como
professor, apreocupaçãoque se tem
com a formaçãodepessoas deoutra
natureza para as empresas. Estive
recentemente nos Estados Unidos
– tenhoumfilhoqueéprofessor resi-
dentenoMIT.Fui fazerumaspalestras
e depois fui visitar meu filho. Eles
me levaram à Harvard Law School,
e eu descobri que tinha trinta e oito
livrosnabibliotecadeHarvard... Mas
ninguémmaispodecursaraBusiness
School deHarvard, sem fazer algum
trabalho de voluntariado social. O
cidadão que não tenha um perfil
ético, que possa ser avaliado, é visto
commuitas reservas, na contratação
paraumemprego.Cadavezmais, as
empresas – em função da disponibi-
lidadedeconhecimento, deavanços
tecnológicos,doconhecimento–pre-
cisamestimulara lealdade,paraqueo
sujeitonãofiquepulandodeum lugar
paraooutro. Então, levammuito em
consideração o perfil de respeitabi-
lidade, o perfil ético da pessoa, para
saber – ao entrar – que ele pode ser
alguém em quem se vai investir, na
medidaemquevaiprogredirsabendo
de que forma tem de se comportar.
Sei que ainda estamos longe do
ideal, em funçãodapróprianatureza
humana, mas começa-se a perceber
umasériedesinalizações,denatureza
legislativa, global, de percepção dos
grandes líderes de empresas de que
há a necessidade de saber trabalhar
oelementohumano–principalmente
comvalores,parapoderconfiarneles
–namedidaemqueesseséquepode-
rãodirigir. Essesescândalos recentes,
nosEstadosUnidos, foramescândalos
pela supervalorização de executivos
que,naverdade, tinhamapenasoseu
projetopessoal.
JR
– Perdoe-me interromper, mas
não haverá uma inversão ao exigir
de quem entra um comportamento
ético/espiritual e – na prática – os
decisores, os donos dos negócios é
que“levariamos seus subordinados
apecar”, naânsiapelo lucrodiante
do stress da pressão dos acionistas
para a produção de resultados a
curtíssimo prazo?
IVES GANDRA
– Acho que é um
elemento complicador já que – de
um lado – pretende-se lealdade,
pretendem-se valores, confiabili-
dade comooque existe naMáfia...
Sóque, naMáfia, se vocêdeixar de
ser leal você émorto e na empresa
isso nãodeve acontecer.
JR
– Isso seria tema para uma outra
entrevista, mas a Máfia não é,
exatamente, um mau tipo de or-
ganização...
IVESGANDRA
–Não–aocontrário–
funciona.Mas, funcionanessabase.
Há que se admitir a necessidade
de competitividade, que pode ser
muitas vezes agressiva, predatória.
Há, contudo, instrumentos que fo-
ram criados, gradativamente, pelos
próprios legisladores do mundo
inteiro a começar do ShermanAct.
Se analisarmos, por exemplo, o
século XIX em que houve o grande
salto da economia americana, foi a
era de capitalismo mais selvagem
que já houve no mundo. Nem na
Inglaterra, nemnospaíseseuropeus
ocorreu algo tão violentamente
destrutivo, muitas vezes com as
“OCIDADÃOBEM-SUCEDIDOSERIANA
VIDAUMSUJEITOAGRACIADOPORDEUS.”
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