Janeiro_2007 - page 36

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R E V I S T A D A E S P M –
JANEIRO
/
FEVEREIRO
DE
2007
Notas sobre religião e empresa no caso
Odebrecht
(Santa Catarina), junto com as pri-
meiras levas de imigrantes alemães.
Estaarticulaçãoé importanteparaa
construção domito empresarial, já
que sabemos quais as significações
presentes na constelação semân-
tica que envolve o significante
“alemão” no imaginário brasileiro.
Contra uma sociedade, como a
brasileira, que muitas vezes se viu
como desfibrada, mergulhada no
torpor tropical e avessa auma certa
dinâmicado trabalhomarcadapela
recusa ao consumo conspícuo, os
“alemães” apareceram, em vários
momentos, como sinônimo de
umadisciplina estritamarcadapela
lógica de dedicação a um trabalho
vivenciado como vocação e afasta-
mento daquilo que um diaWeber
chamou de “gozo espontâneo da
vida”. Certamente, contribuiu para
istooprotestantismo alemão e suas
figuras reformadoras.
Esta dicotomia entre ethos protes-
tante do trabalho e país que apren-
deu a ver a si mesmo como terra
do gozo tropical é um dado impor-
tante em nosso quadro de análise.
Principalmente no caso de uma
empresa, comoogrupoOdebrecht,
queprocuraseafirmarcomoespaço
próprio a um modo diferenciado
de engajamento no trabalho. Faz
parte dos elementos constitutivos
da imagem corporativa da empresa
o fatode ela ter 2%de rotatividade
por ano (um índicedepermanência
idêntico àquele que encontramos
em empresas públicas). Essa fideli-
zação ao ambiente do emprego
pode sero resultadodeumapolítica
de divulgação de uma ética do tra-
balho como vocação emissãoque,
emumaempresacujomito fundador
guarda matizes religiosas, é mais
fácil de ser veiculada.
A este respeito, não deve ser negli-
genciada a função desempenhada
pela extensa produção bibliográ-
fica do fundador da empresa, uma
produção fundamentalmente vin-
culada a livros sobre a cultura
organizacional que vigora nas em-
presas Odebrecht (cultura que se
cristalizaemuma sériedepreceitos
designados de TEO – Tecnologia
Empresarial Odebrecht) e sobre o
perfil motivacional necessário para
incluir-sedemaneirabem sucedida
neste ambiente de trabalho. Não
é difícil encontrar nesta produção
termos que nos remetem neces-
sariamente a um certo ambiente
ético-religioso, como “humildade”,
“virtude”, “ausência de vaidades”,
“servir”, “vocação”, “crescimento”
( nãoapenasmaterial,mas também
espiritual) etc. São conhecidas na
empresa histórias onde o fundador,
já desde criança, assume posturas
autônomas e humildes estranhas à
estrutura extremamente hierarqui-
zada e semi-escravagista da elite
baiana. Lembrando que a empresa
tem sua sede exatamente naBahia,
podemos imaginar como essas
narrativas foram e são importantes
para determinar sua personalidade
organizacional.
No entanto, algumas precisões
devem ser feitas. Lembremos que,
desde o fundador da empresa, os
membrosda famíliaOdebrecht que
fazempartedocorpogerencial não
professam a fé protestante. Nem
há na empresa, como é relativa-
mente comum em certas empresas
norte-americanas, signos religiosos,
Bíblias e grupos de orações. No
entanto, o protestantismo continua
presentecomo forteelementocons-
titutivo da imagem corporativa, a
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