Janeiro_2007 - page 37

Vladmir
Safatle
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JANEIRO
/
FEVEREIRO
DE
2007 – R E V I S T A D A E S P M
começar pela veiculação dos vín-
culos entre o fundador da empresa
eumpastor protestantealemãoque
teria sido seupreceptor epersonali-
dade influenteemsua formação.Em
um livrodedivulgaçãodafigurade
NorbertoOdebrechtdistribuídopela
empresa podemos ler afirmações
como: “Baseada no pensamento
calvinista, amesmadisciplinaprus-
sianaque impulsionouocapitalismo
alemão no século XIX foi ensinada
por HerthaOdebrecht a seus filhos
emoldouocaráter deNorberto (...)
A religião luterana, com seus valo-
res de amor ao trabalho e retidão
de caráter, marcou profundamente
Emil –opatriarcada família–e seus
descendentes”
1
.
De qualquer forma, algumas
metáforas são bastante ilustrati-
vas. Por exemplo, no chamado
Núcleo da Cultura Odebrecht,
que a organização mantém em
sua sede, háumaesculturanatural
de madeira que mostra o esforço
de uma árvore para crescer entre
fendas rochosas à beira do mar.
Quem lembrar das parábolas do
Cristo a respeitodo semeador que
joga sementes entre as pedras, na
areia e em terra fértil talvez en-
contre uma fonte para tal tipo de
representação.
A esse respeito, vale a pena lem-
brar que valores religiosos ganham
mais força quando são “seculariza-
dos”, ou seja, quando deixam de
estar imediatamente associados a
quadros de crenças religiosas para
aparecerem como disposições
necessáriasequaseóbviasdo“bom”
funcionamento social. Há uma
longa história damaneira com que
estruturas institucionaisnamoderni-
dadevãoadquirindo racionalidades
própriasatravésda secularizaçãode
preceitosde funcionamentoede so-
cializaçãoemgrupos religiosos.Os
estudos deWeber são apenas uma
partedisto (poderíamos acrescentar
a este grupoos estudos de Foucault
sobre a sociedade disciplinar). É
claro que não podemos deduzir,
diretamente, a extensão de todos
os procedimentos racionais deuma
empresacapitalistadasecularização
devaloresepreceitos religiosos,mas
esta é uma dimensão fundadora da
racionalidade de tais instituições,
assim como ela é uma dimensão
fundadora da racionalidade de ou-
tras formas de instituições como as
políticaseasmilitares.Costumamos
aceitar, sem questionar, a narra-
tiva que vê amodernidade como o
momento de ruptura com vínculos
ético-religiosos através do “desen-
cantamentodomundo”edaconsti-
tuiçãodeprocedimentos laicizados
de justificaçãoe racionalidade. Essa
narrativa não é totalmente correta.
Parafinalizar, lembremosaindaque
estamos emuma realidadecontem-
porânea de fim da sociedade do
trabalho, isto devido à diminuição
da oferta formal de emprego, ao
desenvolvimento exponencial das
novas tecnologias e à precariza-
ção das dinâmicas e condições de
empregabilidade. Os novos empre-
gos são, em sua grande maioria,
ligados ao desenvolvimento do
setor terciário, setor onde encon-
tramos mais empregos precários e
volúveis. “Desde os anos 40”, nos
lembra Clauss Offe“ é recorrente a
hipótese genérica de que, a partir
de certo grau de industrialização,
a tendência de desenvolvimento
da sociedade industrial se alteraria
no sentido da expansão do setor
terciário, e nãomais do industrial”.
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