Janeiro_2007 - page 33

François
Soulages
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JANEIRO
/
FEVEREIRO
DE
2007 – R E V I S T A D A E S P M
essa nossa crença, diz um gerente
de fábrica. E nós reinvestimos na
fábrica tudo que ganhamos, ao
invés de gastarmos em besteiras.”
A noção de esforço, o desejo de
moralizar, a escolha pelo investi-
mento, tudo isso explica o bom
funcionamento da empresa e está
baseado numa crença religiosa
fundadora. Essa influência é tão
forte, quemuitos se referem a eles
como os “calvinistas do Islã”.
O pensamento do líder religioso
da cidade é bastante lógico: “O
Corão diz que é preciso trabalhar
duro. O Profeta também era um
comerciante. É preciso ser rico
parapoder ajudar aosoutros.”Essa
filosofia é bem clara: o objetivo
de toda atividade humana é de
ajudar aos outros. Ninguém pode
criticar tal tese, tanto que nem o
protestantismo ou o pietismo de
Kant a teria negado. Temos então
que o enriquecimento é o mais
importante, porque quantomaior
a riqueza,mais sepodedoar e, em
segundo lugar, vem o trabalho, a
saber, a criação de uma empresa,
sendo que o todo é certificado,
não pela razão, como em Kant,
mas pelaautoridadeda revelação:
o Corão e o Profeta.
Até o comércio internacional é
justificadopela religião: “OProfeta
diz que é preciso querer o bem
do mundo inteiro, então nós via-
jamos muito. Eu já visitei mais de
70 países, e amanhã parto para a
Malásia”, afirmao responsável pelo
sindicato patronal muçulmano.
O referencial religioso não é o
mesmopara aPeugeot eparaKay-
seri. Para este, a religião funciona
como discurso ideológico de le-
gitimação das práticas empreen-
dedoras, pode-se pensar que, se
tal discurso é utilizado, é porque
ele é efetivo sobre os diversos
membros da empresa, dando sen-
tido a suas práticas, exaltando-as,
justificando-as e, atémesmo, para
obrigá-los a trabalharemdeacordo
com regras às vezesdifíceis. Sendo
assim, um dos cinco pilares do
Islamismo, o “zacat”, a caridade,
desempenhaum importantepapel
político-econômico, apontodeas
próprias empresas serem respon-
sáveispelo financiamentodeesco-
las, hospitais eestádios esportivos,
substituindo o Estado.
EmKayseri, todos os trabalhadores
são marcados pela ideologia re-
ligiosa do trabalho. Eles não vivem
todos da mesma maneira, mas,
tendo em vista a força da religião,
aempresaégeridaapartir daótica
que reúne trabalhoe social.Às sex-
tas-feiras, para a grande oração, é
comumver os trabalhadores indoà
mesquita construída no centro das
fábricas. A religião governa tudo e
as empresas, nada.
Concluindo, a empresa é influen-
ciadamenos pelo religiosodoque
pela religião, tanto faz se ela está
na origem, ou inserida em suas
atividades. Isso se explica pelo
fato de que uma empresa é um
grupo social fundamentado sobre
valores inconscientes
4
, explícitos
e implícitos, além de uma ideolo-
gia. Emmuitos casos esses valores
podem ter uma relação direta ou
indireta com uma religião.
Conseqüentemente, no decorrer
de um trabalho de consultoria, é
necessário descobrir as origens
religiosas para conhecê-las e,
principalmente, para não deixar
que funcionem como freios e
barreiras. É necessário pensar o
aspecto religiosode uma empresa
para que ela seja eficiente e ino-
vadora, e para que não funcione
como uma seita, o que emmédio
prazo é catastrófico, porque, en-
tão, ela não consegue se adaptar
amudanças.
Mas, ainda que possa ser interes-
sante contar-se com o aspecto re-
ligiosonas bases deumaempresa,
um método de gerenciamento
baseadonodireitodivinopode ser
muitoperigoso, pois seria transfor-
mar a empresa numa religião.
Juntocomaquestãodoreligiosodentro
da empresa, temos sempre a questão
daadministraçãoconcreta,davidados
trabalhadores, vendas e qualidade dos
produtos.Eesseéum fatorqueumcon-
sultornãopodedeixarde lado...
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FRANÇOISSOULAGES
Professor daUniversidade Paris, 8
1.MaxWeber, L’éthique protestante et l’esprit du
capitalisme,Trad. J. Chavy, Paris, Plon, 1964, p. 72.
2. François Soulages, Communications et
entreprises, Paris,Argraphie, 1992.
3. In LeMonde, 21/12/06, p. 3 ; toutes les références
relatives à cette ville sont extraites de cet article.
4. François Soulages, Image, inconscient et
entreprise, Paris, Humanisme et entreprise, 2005.
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