Janeiro_2007 - page 38

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R E V I S T A D A E S P M –
JANEIRO
/
FEVEREIRO
DE
2007
Notas sobre religião e empresa no caso
Odebrecht
Não são poucos aqueles que afir-
mam a impossibilidade estrutural
de as sociedades contemporâneas
sedesenvolveremcomo sociedades
doplenoemprego.Citemos, apenas
a título de exemplo, os trabalhos
pioneiros do sociólogo francês do
trabalho André Gorz mostrando
como a revolução microeletrônica
economiza, de maneira definitiva,
quantidades anteriormente inima-
gináveis de trabalho.
Aliada a esta situação, temos a ob-
solescência da ética protestante do
trabalho ascético devido ao desen-
volvimento dos imperativos de satis-
fação irrestritaprópriosàsociedadede
consumo.Estaéumatemáticaquenão
devemosperderdevista.Nãovivemos
em uma sociedade da produção tal
comoconhecidaporWeber.Vivemos
emuma
sociedadedoconsumo
, não
apenas porque atividades ligadas ao
consumo e à sua incitação têm um
peso econômico maior do que as
atividades vinculadas diretamente
ao processo produtivo. Vivemos em
uma sociedade do consumo porque
a lógica do consumo e a retórica do
consumo são estruturas fundamen-
tais no processo de socialização dos
sujeitos contemporâneos, ou seja,
problemas vinculados ao consumo
acabampordirecionar todasas formas
de interação social e de desenvolvi-
mentosubjetivo.Enestapassagemda
sociedade da produção à sociedade
do consumo, algo das análises de
Weber perde sua validade. Pois, de
umamaneira esquemática, podemos
afirmar que o mundo capitalista do
trabalhoeda sociedadedaprodução
está vinculado à necessidade social
da ética do ascetismo e da acumu-
lação. Omundo do consumo pede,
por sua vez, uma
ética
diferente,
ligadaao imperativode impulsionara
plasticidade infinitadaproduçãodas
possibilidadesdeescolhanouniverso
do consumo. Neste sentido, muitos
teóricossociaiscontemporâneos (Sla-
voj Zizek, ToddMcGowan) insistem
que a ética hegemônica em nossas
sociedades pós-industriais é algo
maispróximodeumaéticado
direito
ao gozo
. A este respeito, como disse
o sociólogo norte-americano Daniel
Bell, de maneira um pouco jocosa,
mas, nem por isto, menos precisa:
“Omaior instrumento de destruição
da ética protestante foi a invenção
do crédito. Antes, para comprar, era
necessário primeiramente economi-
zar. Mas com um cartão de crédito
nóspodemossatisfazerimediatamente
nossosdesejos
2
” .
Istoafetanecessariamenteamaneira
como as pessoas se engajam no
trabalho e se relacionam com os
imperativos de trabalho. O vínculo
ao trabalho (e não apenas ao em-
prego) tende a perder seu caráter
substancial, pois ele não é o re-
sultado de uma ética da convicção
e da vocação, mas uma passagem
necessária para a acumulação
1. DaCosta,AntonioCarlos; ser empresário: o
pensamento deNorbertoOdebrecht, pp322-323
2. BELL, The cultural contradiction of capitalism,
NewYork, BasicBooks, p. 85. Ou, como nos
lembraTom Frank:“Desde a década de 20, pelo
menos, o consumismo vem sendo uma forma
de revolta contra valoresmais antigos, ligados
à produção. Enfatizou o prazer e a gratificação,
em oposição à restrição e à repressão da
tradição puritana” (FRANK,Tom; Omarketing
da libertação doCapital inCadernos Lemonde
diplomatique, p. 43).MaxWeber já havia per-
cebido estamudança inexorável namoralidade
econômica do capitalismo ao afirmar que :“No
setor de seumais alto desenvolvimento, nos Es-
tadosUnidos, a procura da riqueza, despida de
roupagem ético-religiosa, tende cada vezmais a
associar-se compaixões puramentemundanas
que frequentemente lhe dão o caráter de
esporte”(WEBER, A ética protestante, p. 143)
VLADIMIRSAFATLE
Professor deFilosofia, doutor emFilosofia
pelaUniversidadedeParisVIII e responsável
por pesquisasdoCentrodeAltosEstudosde
PropagandaeMarketing (CAEPM/ESPM).
pessoal em direção a um futuro
de satisfação irrestrita e “pouco
trabalho”. Diante desta realidade,
não deverá nos causar surpresa
uma certa tendência empresarial a
reconstruir vínculos substanciais e
mais fixos com seus empregados a
partirda reatualizaçãode temáticas
ético-religiosas.
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