Revista ESPM Mai-Jun 2012 - NEM BABÁ, NEM BIG BROTHER a eterna luta do indivíduo contra o Estado - page 31

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Com todas as deficiências, preconceitos e equívocos,
a imprensa exerce, contudo, um papel profilático no des-
ventrar a podridão dos porões governamentais, emtodo o
mundo, o que é bom para fortalecimento da democracia.
Não haverá, todavia, jamais uma democracia forte
se, paralelamente aos direitos da coletividade como um
todo, não houver respeito aos direitos individuais, que
não devem “ser superados pelos direitos coletivos”, como
apregoam diversas correntes socialistas ou comunistas,
mas devem “conviver em condições de igualdade com
aquele complexo de direitos que cabe à pessoa exercer
independentemente da autorizaçãodoEstadoouda socie-
dade”. Não sem razão, o constituinte ressalva os direitos
individuais como cláusulas pétreas, imodificáveis, mas
não os coletivos ou sociais, estando assim redigido o § 4º
do artigo 60 da Constituição:
“A
rt
. 60. [.....]
§ 4º N
ão será objeto de deliberação a proposta de
emenda
tendente a abolir
:
I –
a
forma
federativa de
E
stado
;
II –
o voto direto
,
secreto
,
universal e periódico
;
III –
a
separação dos
P
oderes
;
IV –
os direitos e garantias
individuais
”.
É que há direitos naturais que o Estado não deve criar,
como procurei esclarecer no livro
Uma breve introdução
ao direito
, mas apenas reconhecer como é, por exemplo,
o direito à vida. O Estado não o cria. Pode criar a melhor
forma de governo (parlamentarismo ou presidencialis-
mo), mas não pode criar o direito à vida de quem quer
que seja, pois este direito lhe é inato.
René Cassin, relator principal da Declaração Univer-
sal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948,
declarou que os direitos, nela contemplados, não foram
ali incluídos por teremsido considerados bons, no correr
do tempo, “mas porque eram inerentes e próprios do ser
humano, que com eles nasciam”.
O grande desafio, portanto, do século 21 em que vi-
vemos, como diz Norberto Bobbio em
A era dos direitos
(Editora Campus), não é declarar quais são os direitos,
o que já fizemos no século 20, mas “assegurá-los”.
Ora, nessa busca de um equilíbrio entre o direito do
Estado, o direito da sociedade e o direito do indivíduo –
todos os três devendo ser respeitados, numa autêntica
democracia – reside o grande desafio do século 21, para
todas as nações e todos os sistemas jurídicos dominantes.
Não deve um Estado, nem a sociedade, dizer o que é
bompara o exercício da individualidade de cada um (ser),
da suamaneira de expressar (pensar) e de como deve agir
(família, trabalho e relações sociais).
Deve o Estado, enquanto seus governos são represen-
tantes do povo, dizer quais as obrigações do cidadão para
com a pátria e de que forma exercer os direitos próprios
de uma democracia (vida, segurança, propriedade e
liberdade, art. 5º da Constituição federal), na busca de
uma igualdade assimétrica. Não deve, todavia, dizer
como educar os filhos – a não ser na grade curricular
das escolas –, ou seja, não deve interferir nos valores que
os pais pretendem que seus filhos tenham, inclusive de
natureza religiosa.
É que o Estado laico não é o Estado ateu, mas o Estado
em que o governo não é dirigido pela religião. De resto, é
de lembrar que a religião católica não é religião oficial de
nenhum Estado, embora o anglicanismo seja a religião
oficial da Inglaterra, o judaísmo de Israel, o islamismo
dos Estados do Oriente Próximo e o protestantismo
dos Estados nórdicos. O Estado laico não deve, todavia,
desconhecer a opinião de seu povo e da maioria que o
constitui, pois, caso contrário, terminaria por excluir
todos os que acreditam em Deus, como ocorreu com
os países comunistas, em suas constituições, antes da
queda do muro de Berlim.
Enfim, para concluir, o corretoequilíbrioentreodireito
do Estado, da sociedade e dos indivíduos é que constitui
a verdadeira democracia, em que a política do Estado
deve respeitar o pensamento da sociedade, o direito do
indivíduo de ser, pensar e agir, desde que não ponha em
risco as instituições, nem agrida direitos de terceiros.
Ives Gandra da Silva Martins
Advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola
de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra.
É presidente do Conselho Superior de Direito da Federação do Comércio
de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio)
“A imprensa tema tendência
de separar o joiodo trigo e
publicar o joio”
Mark Twain
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