 
          maio/junhode2012|
        
        
          
            RevistadaESPM
          
        
        
          
            21
          
        
        
          Renato Janine Ribeiro
        
        
          porque dizem que a Microsoft passa
        
        
          os dados para o governo america-
        
        
          no. Quem disse que não passa? O
        
        
          simples Facebook oferece vários
        
        
          anúncios dirigidos para você. Ele
        
        
          relaciona as pessoas que foram seus
        
        
          amigos de colégio e que de repente
        
        
          se desencontraram. Tudo que faz
        
        
          além disso é só para vender merca-
        
        
          doria para o usuário. O documento
        
        
          único é a menor das ameaças, por-
        
        
          que sabemos quem vai manejar
        
        
          esses dados. No caso do Facebook,
        
        
          não. Meu medo maior é de orga-
        
        
          nizações criminosas que podem
        
        
          ser muito fortes e até tomar conta
        
        
          de governos. Por ouro lado, como
        
        
          isso me parece irreversível, seria
        
        
          preciso ter uma capacitação técnica
        
        
          fantástica para enfrentar isso tudo.
        
        
          
            Gabriela
          
        
        
          –
        
        
          
            Nesse contexto, podemos
          
        
        
          
            dizer que a população é cada vez mais
          
        
        
          
            objeto e não sujeito de sua história?
          
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – Nesse sentido, sim. Quan-
        
        
          do todos os seus dados são tomados
        
        
          por outros, a única vantagem é você
        
        
          não ter nada a ocultar. Talvez uma
        
        
          forma de lutar contra isso fosse, em
        
        
          vez de preservar os sigilos que não
        
        
          serão preservados, o melhor é dizer:
        
        
          “Não tenho nada a esconder”.
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            Qual é a posição que
          
        
        
          
            deveríamos procurar dentro de um
          
        
        
          
            estado democrático, que respeita os
          
        
        
          
            direitos humanos e básicos de uma
          
        
        
          
            democracia, como liberdade de ex-
          
        
        
          
            pressão, iniciativa, organização e
          
        
        
          
            propriedade?
          
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – Tenho dúvidas, porque as
        
        
          pessoas que compõem a sociedade
        
        
          brasileira estão com crenças de-
        
        
          mais. Elas assumem uma posição
        
        
          e se aferram a ela. E a internet está
        
        
          favorecendo isso com a possibilida-
        
        
          de de todos serem autores. O grande
        
        
          problema é que as pessoas escre-
        
        
          vem, postam coisas e mandam
        
        
          e-mail sem ter tempo de refletir, às
        
        
          vezes, sem ao menos ter lido direito
        
        
          aquilo pelo qual estão se manifes-
        
        
          tando. Em vez de ser um ambiente
        
        
          democrático, a internet se transfor-
        
        
          mou num ambiente de falas surdas,
        
        
          com uma grande quantidade de
        
        
          gente falando e totalmente sur-
        
        
          das ao argumento contrário. Essas
        
        
          pessoas têm muita dificuldade de
        
        
          diálogo. Temos hoje uma democra-
        
        
          cia no Brasil apesar dos cidadãos,
        
        
          não por causa dos cidadãos. Não
        
        
          é porque todos prezamos esse va-
        
        
          lor democrático fundamental da
        
        
          divergência que eu o colocaria à
        
        
          frente de todos os outros valores.
        
        
          Uma boa parte da sociedade brasi-
        
        
          leira gostaria que outra boa parte
        
        
          se calasse, mesmo na marra, e isso
        
        
          é assustador. Quando se tem uma
        
        
          campanha eleitoral e dois lados se
        
        
          opõem, dá a impressão de que estão
        
        
          fazendo isso porque a Justiça Eleito-
        
        
          ral impõe e não porque o outro lado
        
        
          esteja querendo debater também.
        
        
          As pessoas têm uma dificuldade
        
        
          extraordinária de escutar aqui-
        
        
          lo de que discordam, porque elas
        
        
          logo traduzem. Hoje, por exemplo,
        
        
          quando se lê nos jornais o que
        
        
          precisa ser feito na educação ou
        
        
          na economia, todos dizem quase
        
        
          a mesma coisa. A única forma de
        
        
          vencermos isso é aumentar a dú-
        
        
          vida e melhorar a escuta.
        
        
          
            Gabriela
          
        
        
          –
        
        
          
            A sociedade ideal existe
          
        
        
          ?
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – Se é ideal, não existe.
        
        
          Mas, sem você ter um ideal, tudo
        
        
          fica muito mais difícil. Um dos
        
        
          problemas do nosso tempo é que
        
        
          de certa forma as coisas que eram
        
        
          boas, que foram almejadas acaba-
        
        
          ram se realizando. O sonho da dife-
        
        
          rença sumiu. Temos prosperidade,
        
        
          conforto, prazeres. O sexo deixou
        
        
          de ser algo assustador. Tanta coisa
        
        
          foi conseguida que a tendência das
        
        
          pessoas é achar que isso é bom.
        
        
          No caso dos jovens, é bom viver na
        
        
          casa dos pais para sempre. É tudo
        
        
          tão confortável. A diferença é que o
        
        
          ideal antigo às vezes era o ideal do
        
        
          desejo. Já o ideal de hoje talvez seja
        
        
          o do dever e da dificuldade.
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            Obrigado. A entrevista
          
        
        
          
            foi excelente!
          
        
        
          
            “Ogrande problema é que as pessoas escrevem, postamcoisas
          
        
        
          
            emandame-mail semter tempode refletir. Aúnica formade
          
        
        
          
            vencermos isso é aumentar adúvida emelhorar a escuta”