 
          
            Revista da ESPM
          
        
        
          |maio/junhode 2012
        
        
          
            20
          
        
        
          entrevista
        
        
          pessoas percebam que esta é uma
        
        
          questão ética, teremos um grande
        
        
          ganho. É um lado da educação que
        
        
          vai além dos conteúdos fundamen-
        
        
          tais, como português e matemática.
        
        
          Pelas pesquisas que tenho lido,
        
        
          quando você educa por meio dos
        
        
          valores, esse conteúdo vem jun-
        
        
          to. Mas, se eu tentar formar um
        
        
          a luno somente pa ra por tuguês
        
        
          e matemática, sem incutir nele
        
        
          hábitos de trabalho, respeito ao
        
        
          colega, dúvidas quanto aos cami-
        
        
          nhos da vida, o aprendizado não
        
        
          será tão bom.
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            Entre os publicitários,
          
        
        
          
            fala-se com certo orgulho do Código
          
        
        
          
            de Autorregulamentação do Conar
          
        
        
          
            (Conselho Nacional de Autorregu-
          
        
        
          
            lamentação Publicitária). Para eles,
          
        
        
          
            essa seria uma forma mais eficiente
          
        
        
          
            de controlar a propaganda do que a
          
        
        
          
            intervenção ou proibição direta por
          
        
        
          
            leis, por pressão estatal. É possível
          
        
        
          
            confiar a determinados segmentos da
          
        
        
          
            sociedade a sua própria autorregula-
          
        
        
          
            mentação?
          
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – É duvidoso que a socieda-
        
        
          de possa confiar nisso, porque todo
        
        
          o grupo é corporativista. Então,
        
        
          por natureza, quando dou a um
        
        
          grupo a autorregulação, ele vai ten-
        
        
          tar defender os seus interesses. Em
        
        
          certos casos, pode até ter efeito po-
        
        
          sitivo. Acredito que os médicos au-
        
        
          torregulem a profissão no sentido
        
        
          de excluir aquele profissional que
        
        
          cometa um crime ou assassinato.
        
        
          Isso também acontece no caso da
        
        
          engenharia. Mas a autorregulação
        
        
          da medicina e da engenharia está
        
        
          relacionada à capacitação técnica.
        
        
          Na publicidade, a autorregulação
        
        
          tem quase tudo a ver com a ética.
        
        
          Há uns dez anos, acompanhei o
        
        
          trabalho do Conar e até dediquei
        
        
          um artigo a isso, que está no meu
        
        
          livro
        
        
          
            O afeto autoritário
          
        
        
          (Ateliê
        
        
          Editorial, 2005). Estudei vários
        
        
          julgamentos que estavam no site
        
        
          da instituição naquela época e deu
        
        
          para notar que as decisões não
        
        
          eram totalmente coerentes. Um
        
        
          exemplo é a campanha “Faça bem
        
        
          feito, faça FEI”, do Centro Univer-
        
        
          sitário FEI, que zombava das mu-
        
        
          lheres ao dizer: “Quer ver muitas
        
        
          meninas bonitas? Vá fazer letras.
        
        
          Quer ter uma formação boa? Vá fa-
        
        
          zer engenharia na FEI”. Isso gerou
        
        
          um protesto no Conar, que julgou
        
        
          ser somente uma brincadeira. Em
        
        
          outro caso, a brincadeira era com
        
        
          as enfermeiras e o Conar tirou a
        
        
          propaganda do ar. Não havia uma
        
        
          diferença grande entre as duas
        
        
          campanhas. Então, a sensação é
        
        
          de que depende muito da grita do
        
        
          setor. Há certo receio em atender
        
        
          a todas as reclamações, principal-
        
        
          mente aquelas que estão na fron-
        
        
          teira da ética. Lembro de ter assis-
        
        
          tido a uma propaganda em que a
        
        
          atriz Deborah Secco batia com a
        
        
          sandália num menino. Era uma go-
        
        
          zação, não um ato de violência na
        
        
          TV. Quando se tem uma regulação,
        
        
          o desejável é a presença de gente
        
        
          externa julgando. Não acredito na
        
        
          autorregulação. Também tenho
        
        
          muita desconfiança da regulação
        
        
          pelo Estado.
        
        
          
            Gabriela
          
        
        
          –
        
        
          
            Há alguns anos, o go-
          
        
        
          
            verno tenta implantar o documento
          
        
        
          
            unificado no Brasil. A ideia de reunir
          
        
        
          
            documentos como CPF, carteira de
          
        
        
          
            motorista, passaporte e RG em um só
          
        
        
          
            cartão é facilitar a vida das pessoas.
          
        
        
          
            Mas até que ponto essa padronização
          
        
        
          
            de dados não irá aumentar o controle
          
        
        
          
            do Estado na vida do cidadão?
          
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – Não vejo assim, até por-
        
        
          que, se o Estado quiser fazer isso,
        
        
          é só ele cruzar os documentos das
        
        
          pessoas. Hoje, a informática nos
        
        
          permite ter o documento único na
        
        
          prática, nos arquivos do governo,
        
        
          cruzando CPF, RG e passaporte.
        
        
          Pode dar um pouco mais de traba-
        
        
          lho, mas você tem aplicativos que
        
        
          permitem este cruzamento, que é
        
        
          inevitável.
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            E já existe, de certa forma
          
        
        
          .
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – Já existe. O Facebook
        
        
          é isso nas mãos de uma empresa
        
        
          privada. Tem gente que defende a
        
        
          adoção do Linux e de outras pla-
        
        
          taformas que não a do Bill Gates,
        
        
          
            “Aautorregulaçãodamedicina e da engenharia está relacionada à capacitação
          
        
        
          
            técnica. Napublicidade, a autorregulação temquase tudo a ver coma ética”