 
          maio/junhode2012|
        
        
          
            RevistadaESPM
          
        
        
          
            17
          
        
        
          Renato Janine Ribeiro
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          –
        
        
          
            Você fala da falta de
          
        
        
          
            bom-senso do governo, que estimula
          
        
        
          
            a produção de automóveis sabendo de
          
        
        
          
            todos os problemas gerados por eles.
          
        
        
          
            O que dizer então de um governo que
          
        
        
          
            estimula a produção de motocicletas
          
        
        
          
            que estão se transformando numa
          
        
        
          
            verdadeira carnificina urbana, com
          
        
        
          
            centenas de mortes todos os meses?
          
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – Tudo isso está errado.
        
        
          
            Gabriela
          
        
        
          –
        
        
          
            Como resolver esta questão?
          
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – O ponto de partida deve
        
        
          ser o investimento em transporte
        
        
          coletivo, junto com medidas de dis-
        
        
          suasão do uso individual do carro.
        
        
          Por exemplo: se o veículo estiver
        
        
          cheio de passageiros, vai pela pista
        
        
          expressa e não paga pedágio. Te-
        
        
          mos de tirar do nosso imaginário a
        
        
          utopia do carro, que é um elemento
        
        
          de desejo fortíssimo para a classe
        
        
          média brasileira. Aí entra a respon-
        
        
          sabilidade publicitária, que estimu-
        
        
          la esse “casamento” entre a minha
        
        
          psique e o carro. É preciso pensar
        
        
          em uma economia que seja menos
        
        
          adicta ao carro. Este é um ponto que
        
        
          acaba batendo muito na questão da
        
        
          própria escola, porque algo que está
        
        
          ficando claro é que o planeta não
        
        
          aguenta um mundo em que o con-
        
        
          sumo tenha toda essa relevância.
        
        
          Como vamos pensar a publicidade,
        
        
          que é uma atividade importante,
        
        
          num mundo em que o mais sensato
        
        
          é reduzir o consumo?
        
        
          
            Gabriela
          
        
        
          –
        
        
          
            O caminho passa pela
          
        
        
          
            educação
          
        
        
          .
        
        
          
            Gracioso
          
        
        
          
            – Isso significa que você
          
        
        
          
            defende a intervenção e o poder disci-
          
        
        
          
            plinador do Estado até determinado
          
        
        
          
            ponto, o que é natural. Lembro-me de
          
        
        
          
            uma frase famosa dita por Winston
          
        
        
          
            Churchill, durante um debate no Par-
          
        
        
          
            lamento inglês: “Não existe opinião
          
        
        
          
            pública. O que existe é opinião publi-
          
        
        
          
            cada, e esta o governo tem o direito
          
        
        
          
            de usar a seu favor”. Em outras pala-
          
        
        
          
            vras, mesmo sendo um defensor da
          
        
        
          
            democracia, Churchill admitia que a
          
        
        
          
            intervenção do Estado era necessária
          
        
        
          
            em alguns momentos. Até que ponto,
          
        
        
          
            e quem determina essa medida?
          
        
        
          
            Renato
          
        
        
          – Não concordo com a sua
        
        
          descrição da minha posição, porque
        
        
          não estou chegando ao ponto de
        
        
          defender a intervenção do Estado. O
        
        
          que estou querendo expor é que um
        
        
          problema sério pode ser resolvido
        
        
          de muitas maneiras. Se estamos
        
        
          num mundo em que o consumismo
        
        
          se constitui numa ameaça para a
        
        
          espécie, isso pode ser resolvido pela
        
        
          autorregulação da sociedade e pelo
        
        
          comedimento dos profissionais da
        
        
          área. A intervenção do Estado é a
        
        
          última solução. Minha preocupação
        
        
          é sobretudo ética. Pense, por exem-
        
        
          plo, no trabalho que as ONGs estão
        
        
          fazendo. Muitas delas estão envol-
        
        
          vidas com a ideia do consumo sus-
        
        
          tentável e consciente, mas é difícil
        
        
          convencer uma empresa a fazer isso,
        
        
          porque vai contra o negócio dela. Até
        
        
          quando? A economia verde já está
        
        
          movimentando trilhões de dólares.
        
        
          Então, existe espaço para ummerca-
        
        
          do diferente. Agora, temos também
        
        
          que nos acostumar a pensar numa
        
        
          vida distinta da que vivemos hoje.
        
        
          Por exemplo: até 30 anos atrás se
        
        
          falava em redução de horas de tra-
        
        
          balho devido aos ganhos de produti-
        
        
          vidade. Talvez não tenha havido na
        
        
          história um salto de produtividade
        
        
          tão grande como nas últimas três dé-
        
        
          cadas e as pessoas continuam traba-
        
        
          lhando o mesmo ou até mais do que
        
        
          antes. Não seria possível começar a
        
        
          pensar numa vida com lazer criati-
        
        
          vo, seguindo a tese do ócio criativo,
        
        
          que Domenico De Masi levantou?
        
        
          Com a ampliação dessa fatia de
        
        
          ócio, as pessoas teriam mais tempo
        
        
          para ter acesso à arte, à natureza e
        
        
          ao esporte, atividades que também
        
        
          gerariam uma riqueza econômica
        
        
          fantástica. Nossa sociedade precisa
        
        
          pensar em opções diferentes. Quan-
        
        
          do ouço as pessoas discutindo sobre
        
        
          a questão das horas de trabalho, que
        
        
          está ligada à previdência social, vejo
        
        
          
            “Se estamos nummundo emque o consumismo se constitui
          
        
        
          
            numa ameaçapara a espécie, issopode ser resolvidopela
          
        
        
          
            autorregulaçãoda sociedade e pelo comedimentodos profissionais
          
        
        
          
            da área. A intervençãodoEstado é aúltima solução”