 
          
            Revista da ESPM
          
        
        
          |maio/junhode 2012
        
        
          
            88
          
        
        
          direitos humanos
        
        
          diferentes: as leisemanadasdoPoder Legislativoeosatos
        
        
          praticados pelo Poder Executivo no exercício da função
        
        
          administrativa (atos administrativos).
        
        
          
            Poder de polícia e a esfera
          
        
        
          
            de direitos dos particulares
          
        
        
          UmavezqueaConstituiçãoeoordenamento jurídicoatri-
        
        
          buemaos cidadãos e aoEstadouma sériedeprerrogativas
        
        
          oudireitos,énecessárioqueoexercíciodestesúltimosnão
        
        
          afete o bem-estar da sociedade. Assim, o Estado exerce
        
        
          “uma atividade no sentido de condicionar a liberdade e
        
        
          a propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos”,
        
        
          segundo afirma o autor Bandeira de Mello.
        
        
          Essa açãodopoder público, todavia, temsempre, como
        
        
          pressupostode validade, a lei no sentido formal: ato ema-
        
        
          nado do Poder Legislativo, criado pelos representantes
        
        
          do povo e dentro da esfera de validade da Constituição
        
        
          federal. Por exemplo: a aplicação de multa, pelo policial,
        
        
          ao indivíduo que desrespeita as leis de trânsito corres-
        
        
          ponde a um ato administrativo fundamentado em lei
        
        
          (Código Nacional de Trânsito) no sentido de adequar a
        
        
          liberdade e a propriedade ao interesse coletivo.
        
        
          Porém tem-se observado que essa interferência do
        
        
          Estado na liberdade e na propriedade dos indivíduos está
        
        
          cadavezmaisconstanteepresentenavidadacoletividade.
        
        
          Atéqueponto épossível afirmar que essa interferência
        
        
          é legítima e corresponde aos anseios da sociedade?
        
        
          Tomando-se como exemplos os casos recentes emque
        
        
          o Ministério da Saúde, no Brasil, proibiu a comercializa-
        
        
          ção de cigarrosmentolados e a França, que desde abril de
        
        
          2011, em nome do Estado laico, aboliu e proibiu o uso do
        
        
          véu islâmico em locais públicos, será desenvolvido um
        
        
          raciocínio que procurará avaliar qual a lógica da decisão
        
        
          adotada pelo intérprete da norma jurídica ao solucionar
        
        
          conflitos decorrentes de tais imposições.
        
        
          Ressalte-sequeoEstado tambémestásujeitoàsnormas
        
        
          estabelecidas pelaConstituiçãoenãodeveultrapassar os
        
        
          limites dos poderes que esta lhe atribuiu. Numsistemade
        
        
          direito em que o Estado segue essa regra fundamental, é
        
        
          possível afirmarqueseestádiantedoestadodedireito. To-
        
        
          davia,seoEstado,noexercíciodesuasfunções,extrapolar
        
        
          os limites legais, abusandode seus poderes, desprezando
        
        
          ospreceitosdaCartaMagna, serácaracterizadocomoum
        
        
          Estado arbitrário.
        
        
          Uma vez que ao Estado foram atribuídos o poder pú-
        
        
          blico e a função de zelar pelo interesse da coletividade,
        
        
          como determinar os limites de atuação desse poder?
        
        
          Qual a situação que caracteriza uma invasão arbitrária
        
        
          do Estado na esfera de direitos dos particulares? Qual a
        
        
          interpretação que deverá nortear a autoridade julgadora
        
        
          para decidir determinada controvérsia que envolve essa
        
        
          interferência nos direitos individuais?
        
        
          Nos exemplos mencionados, é possível afirmar que
        
        
          o Estado agiu defendendo de forma legítima o interesse
        
        
          coletivo? Qual é a real dimensão da expressão
        
        
          
            interesse
          
        
        
          
            público
          
        
        
          ou
        
        
          
            coletivo
          
        
        
          ?
        
        
          Adoutrina ligada à áreadafilosofiadodireitoquemais
        
        
          se aproxima das respostas a estas indagações é aquela
        
        
          que analisa os conceitos vagos e imprecisos. Partindo-
        
        
          se da premissa de que, em alguns casos, a expressão
        
        
          
            interesse público
          
        
        
          pode caracterizar-se como um conceito
        
        
          vago, é possível, a partir de seu estudo, tentar chegar a
        
        
          uma solução para os conflitos que surgem das diversas
        
        
          interpretações de uma regra fundamentada emum con-
        
        
          ceito muitas vezes carregado de imprecisão.
        
        
          No livro
        
        
          
            Notas sobre derecho y lenguage
          
        
        
          (Editora
        
        
          Abeledo Perrot), Genaro R. Carrió ensina que, embora
        
        
          exista determinada palavra ou expressão apta a definir
        
        
          certo objeto, essa palavra pode ser vaga e, em algumas
        
        
          situações, não se temcerteza da sua aplicabilidade. Para
        
        
          explicar esse raciocínio, Carrió recorre a umametáfora:
        
        
          “Há um foco de intensidade luminosa onde se agrupam
        
        
          os exemplos típicos, aqueles frente aos quais não se du-
        
        
          vida que a palavra é aplicável. Há uma mediata zona de
        
        
          obscuridade circundante (do conceito), onde caemtodos
        
        
          os casos nos quais não há dúvida de que não é. O trânsito
        
        
          de uma zona a outra é gradual: entre a total luminosidade
        
        
          e a obscuridade total existe uma zona de penumbra sem
        
        
          limites precisos. Paradoxalmente, ela não começa nem
        
        
          termina em nenhuma parte e sem embargo existe. As
        
        
          palavras que, diariamente, usamos para fazer alusão ao
        
        
          mundo emque vivemos e anósmesmos têmconsigo essa
        
        
          aura de imprecisão”.
        
        
          UmavezqueaoEstado foram
        
        
          atribuídosopoder públicoea função
        
        
          dezelar pelo interessedacoletividade,
        
        
          comodeterminar os limites
        
        
          deatuaçãodessepoder?