 
          maio/junhode2012|
        
        
          
            RevistadaESPM
          
        
        
          
            91
          
        
        
          Considerando-sequeacitadadeclaraçãopreceituaque
        
        
          ninguémpoderá ser privado de seus direitos por motivo
        
        
          de crença religiosa, tal imposição, tecnicamente, estaria
        
        
          impedindo que as muçulmanas exercessem, por exem-
        
        
          plo, o seu direito à educação? Seria legítima essa interfe-
        
        
          rência do Estado na esfera de direitos dos particulares?
        
        
          O artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos
        
        
          Humanos afirma: “Toda pessoa tem direito à liberdade
        
        
          de pensamento, consciência e religião; este direito inclui
        
        
          a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade
        
        
          de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
        
        
          prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coleti-
        
        
          vamente, em público ou em particular”.
        
        
          Esta é uma situação em que é possível afirmar que o
        
        
          ato da autoridade pública está na zona de penumbra ci-
        
        
          tada por Carrió e que irá requerer de seu intérprete uma
        
        
          série de considerações para averiguar a aplicabilidade
        
        
          do conceito de interesse público.
        
        
          Há uma diferença básica entre o Estado e seus repre-
        
        
          sentantes utilizaremsímbolos religiosos e os indivíduos,
        
        
          enquantointegrantesdeumgruposocial,utilizaremesses
        
        
          mesmos símbolos.
        
        
          O poder público, no exercício de suas funções, ao
        
        
          utilizar símbolos religiosos, colocaria em dúvida a neu-
        
        
          tralidade do Estado em relação à sua tutela a todos os
        
        
          indivíduos que integrama sociedade. Dessa forma, qual-
        
        
          quermanifestação de crença religiosa seria nitidamente
        
        
          contrária ao interesse público.
        
        
          Porémos indivíduos, ao utilizaremessesmesmos sím-
        
        
          bolos,socialmente,estãoexercendosualiberdadedecren-
        
        
          ça. Devido a ela, dispõem da prerrogativa de frequentar
        
        
          espaços ou templos onde são ministradas tais doutrinas.
        
        
          O entendimento, por parte da autoridade julgadora,
        
        
          do interesse públicona proibição do uso desses símbolos
        
        
          para pessoas pertencentes ao grupo social, não poderia
        
        
          levar, como via de consequência, a uma intolerância
        
        
          religiosa por parte de outros indivíduos? Neste caso, em
        
        
          vez de atender ao interesse coletivo de evitar confrontos
        
        
          sociais pormotivos religiosos, a interpretação equivoca-
        
        
          da poderia contrariar este interesse maior.
        
        
          QuaisosefeitosdeumamedidadesteporteemumEsta-
        
        
          doquenãotem,emsuatradiçãohistórica,osmesmosideais
        
        
          daRevoluçãoFrancesa:liberdade,igualdadeefraternidade?
        
        
          No caso específico da França, somente o passar do
        
        
          tempo, aliado às reações da sociedade, poderá confirmar
        
        
          se a regra atendeu ao interesse público ou causou mais
        
        
          distúrbios na coletividade e, dependendo das conse-
        
        
          quências daí advindas, obviamente que as regras serão
        
        
          alteradas novamente, pois o direito é dinâmico e não
        
        
          estático, adaptando-se às necessidades dos indivíduos
        
        
          e da coletividade.
        
        
          Todavia, em outros países, como o Brasil, por exem-
        
        
          plo, tais medidas configurariam sinais de intolerância.
        
        
          A Constituição brasileira estabelece em seu artigo 5º,
        
        
          incisoVII, que ninguémserá privado de seus direitos por
        
        
          motivodecrença religiosa. Sendoassim, ninguémpoderá
        
        
          ser privado de seu direito à educação estando impedido
        
        
          de adentrar uma instituição de ensino emvirtude do uso
        
        
          de um símbolo religioso.
        
        
          
            Por ummundomelhor
          
        
        
          A interferência do Estado na sociedade muitas vezes se
        
        
          faznecessáriapara assegurar toda a estruturado sistema
        
        
          de direito, bemcomo a continuidade do pacto social, que
        
        
          é o pressuposto de validade de toda nação politicamente
        
        
          organizada. Porém nem sempre essa interferência pode
        
        
          ser considerada totalmente benigna, como é o caso de
        
        
          adentrar pela seara da liberdade de crença religiosa.
        
        
          Em alguns casos, dependendo da história daquele
        
        
          grupo social, dos valores por ele prestigiados, da época e
        
        
          da conjuntura política, entre outros fatores, é necessário
        
        
          que oEstado avalie cuidadosamente a eficácia e legitimi-
        
        
          dade de suas ações, a fim de evitar que, indiretamente,
        
        
          venha a propiciar o surgimento de situações que distor-
        
        
          çam totalmente a sua finalidade, que é a de preservar o
        
        
          interesse da coletividade.
        
        
          Sob taiscircunstâncias, nãoestariaoEstadoexercendo
        
        
          a sua “função social”, no sentido de “garantir oumelhorar
        
        
          as condições de vida dos cidadãos e de possibilitar ou
        
        
          promover o processo civilizador e o avanço cultural da
        
        
          sociedade”, como descreve Telles Jr, em seu livro
        
        
          
            Inicia-
          
        
        
          
            ção na ciência do direito.
          
        
        
          Mas, ao contrário, estaria, sim,
        
        
          interferindo de modo autoritário não condizente com
        
        
          as premissas básicas de um estado de direito. Com essas
        
        
          medidastomadasarriscar-se-iaapropagarefeitosdiversos
        
        
          e contrários à real intenção da tutela constitucional dos
        
        
          interesses da coletividade.
        
        
          
            Denise Fabretti
          
        
        
          Doutora em direito pela PUC-SP, professora da ESPM,
        
        
          da PUC-SP e da Escola Superior de Advocacia da Ordem
        
        
          dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo (ESA-OABSP)