Setembro_2007 - page 30

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SETEMBRO
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OUTUBRO
DE
2007 – R E V I S T A D A E S P M
é uma experiência que faz com que
as pessoas reflitam sobre os próprios
critériosclassificatórios. Éessapossibi-
lidadedereflexividadeconstante,quea
experiência interculturalproporcionou
e proporciona a esses executivos, que
fazemdaexperiênciadeviver foraede
gerenciaremgruposmulticulturais,uma
experiênciaenriquecedora.
Umúltimoaspecto, entre tantosoutros
quepoderiamserressaltados,éofatode
que, emboraesses executivos generali-
zem sobreooutro, eles têmclarezado
aspectonãohomogêneo e consensual
da cultura contemporânea. Aliás, esta
não é uma especificidade brasileira. A
grandemaioriadosexecutivosdemons-
trou estar ciente do caráter plural da
sociedademodernaeda limitaçãoque
as generalizações provocam. Portanto,
semprepontuaramsuasafirmaçõescom
relativizações permanentes. Entretanto,
comotodosenfatizam,existemrecorrên-
ciasdecomportamentoedepadrõesde
interpretaçãodefatosquenãopodemser
desconsideradosequefuncionamcomo
guiasemumageografiadesconhecida.
Para finalizar, o que os depoimentos
desses executivos nos permitemcon-
cluiréa importânciadosmecanismos
queestãoematuaçãoquando falamos
sobre“nós”eos“outros”.Mecanismos
quesão reveladoresmaisdenósmes-
mosdoquedosoutros,equeamelhor
formade se apreender ooutro talvez
não sejaocomeçar pelaexplicitação
das suas especificidades, mas pelo
entendimento dos mecanismos de
construçãodas identidades.
os norte-americanos, vistos como
arrogantes, condescendentes e com
poucaounenhumasensibilidadepara
ooutro.Odomínioda línguado local
em que se está trabalhando aparece
como uma ferramenta fundamental
no sentido de diminuir as diferenças
entre as pessoas. O idioma é impor-
tante porque há sentidos e sutilezas
que somente se conhecendo o idio-
ma alheio podem ser apreendidos.
Mesmo assim, muitos reconhecem,
um largoespaçosimbolicamente ina-
cessível permanece fora do alcance
de todos. São as comunicações não
verbais, implícitas, dadas nos olhares
eno tomemocional dos ambientes e
situações que só se apreendem com
muito tempo em uma cultura e que
sempre fazemacomunicaçãocomal-
guémdasuaprópriasociedademuito
mais fácil. Neste setor os brasileiros
se posicionam, também, de forma
positiva em relação “aos outros”, ao
afirmarem a própria disponibilidade
paraaprender o idiomadooutro.
Um presidente brasileiro de uma uni-
dademultinacional no exterior usou a
expressão “comer pelas bordas”, esta
disponibilidade cultural brasileira de ir
aoencontrodo“outro”,conquistando-o
deformalenta,porémconstante.Umse-
gundoexecutivo,emposiçãoestrutural-
mentesemelhante,emoutraempresa,se
referiu a essamesmadisposição como
“a ir chegando devagarzinho , como
quemnãoquernada,irfalandodecoisas
mais pessoais,seinteressandopelavida
de seus subordinados”. Para a grande
maioriahá, contudo, alguns elementos
doBrasil enosbrasileirosque facilitam
a abordagem e o interesse dos outros
em relação a nós. Primeiro, o futebol,
segundoa feijoadaeanossamúsicae
porfima imagemdisseminadaentreos
estrangeirosdeque“nóssabemosviver”.
O domínio da língua do local em
que se está trabalhando, aparece
comouma ferramenta fundamental
nosentidodediminuirasdiferenças
entreaspessoas.
LÍVIABARBOSA
Doutora em Antropologia Social pelo
PPGA/UFRJ,MestreemCiênciasSociais
pela Universidade de Chicago/EUA,
Pesquisadora doCAEPM/ESPM.
ES
PM
Lívia
Barbosa
Portanto,umadasprimeirasavenidasde
entradautilizadasporquase todosoué
conversar sobre futebol ou convidar o
outro “parauma feijoadabrasileirana
suacasa”.Umpresidentedeumamulti-
nacionalrelembraasituaçãoesdrúxula
que viveu na Inglaterra com a sua
família, quando foi considerado estar
vivendo em estadode grandepenúria
porque seus filhos jogavam futebol na
ruacom“trainersdemoleton”eeleea
mulhercaminhavamcomessamesma
indumentária, então muito em voga
no Brasil. Seu vizinho, ao contrário,
consideravaestetipoderoupaumclaro
sinaldecarênciamaterial.Essaambigüi-
dade sedissolveu, apenas, quandoele
oconvidou, juntamentecommulhere
filhos, para “uma feijoada brasileira”.
O “inglês comeu tanto, eu acho que
ele nunca tinha visto tanta fartura de
comida na vida dele, que, depois, da
minha janela eu o via andando para
fazer a digestão”. Mas, alguém que
sempre foi da elite econômica bra-
sileira ser consideradomaterialmente
carente e ver seus filhos receberem
na escola um tratamento como este
Foto: DebWalker
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