Julho_2006 - page 119

me parece importante, da superação
de utopias modernas -, o humano
tem sempre coisas bonitas para
produzir, é capaz de realizar sua
liberdade plenamente, de transfor–
mar a partir da cultura... Acho que
o que o mundo da comunicação às
vezes nos traz -e isso nos choca um
pouco - é um caráter banal da vida
e do ser humano, que, às vezes, é,
ainda, herança da modernidade, e
tentamos transformar isso em um
grande
glamour
ético, como se o
ser humano fosse de fato um ser
quase sublime
a priori.
Então, essa
banalidade, que a mídia traz, joga
na nossa cara - como aquela história
em que o homem ficou livre e quis
Nike e McDonalds.. É claro que
podemos dizer: é porque ele não
teve a escola certa. Mas, na França,
muita gente tem escola certa, na
Alemanha muita gente tem escola
certa, e não sei até que ponto o
francês, o alemão, de fato, acabam
querendo Nike e McDonald's, como
as pessoas Iivres, autônomas e cons–
cientes gostariam de ter..
GRACIOSO-A história da sua nora
fez-me lembrar de um fato recente,
aqui em São Paulo: no espaço de um
mês, houve três grandes eventos - a
vinda do Rapa, aMarcha por Jesus, dos
Evangélicos, e a Parada Gay. Demodo
geral, pelo menos 70% da população
de São Paulo é católica; segundo es–
tatísticas americanas, a taxa universal
de gays, aceita pelos cientistas, é de
2%. Ora, o Papa atraiu 1 milhão de
pessoas, na missa, no Campo de
Marte. A Marcha por Jesus atraiu
dois milhões de pessoas. Ou seja,
como espetáculo foi superior à missa
do Papa. E a Parada Gay atraiu 3
milhões de pessoas..
PERCIVAL
-A individualidade anda
em tribos.
LIVIA
- Retomando a questão
da pós-modernidade, acho que
uma das mudanças epistemológi–
cas profundas - que se percebe
hoje -, onde a experiência é um
elemento fundamental, é que o
conhec imento pode ser obt ido
não mais exclusivamente através
do intelecto e da cognição, como
era a marca moderna. O "penso,
logo existo" de Descartes é o
símbolo disso. A mudança epis–
temológica é tornar o corpo em
instrumento de conhec imento:
a experiência sensorial, a sub–
jetividade e a emoção. Por isso,
o marketing sensorial, o market–
ing de experiência; em vez da
sociedade de consumo como ele–
mento que provoque uma crise
de ident idade, ela passa a ser
o contrário: uma oportunidade
para resolver essa crise de identi–
dade, na medida em que se torna
uma via para o autoconhec i-
mento. O consumo, inclusive,
é um concei to expl odido; vai
desde aexperiênciaatéaaquisiçãoe
experiência-omanusear,daíanoção
de sensorialidadedosobjetos, faz com
que se adquira conhecimento sobre si
mesmo, através do corpo.
- Você não acha fasci–
nante que essa experiência a partir
do corpo possa ser virtual?
VINÍCIUS - Eu estava no programa
de pós-graduação da UERJ, onde
foi fundado um laboratório, com
o nome de "técnopalato-visual de
olfatato". É uma brincadeira, claro,
mas também é algo sério: uma pa–
lavra absurdamente grande, que não
existe na língua portuguesa, mas
também esse radical "tecno" mais os
radicais de todos os cinco sentidos,
na tentativa de refletir sobre como
os nossos sentidos são afetados por
tecnologias, arquiteturas, espaços
urbanos. O Hans Gumbrecht tem
um texto em que fala sobre a mo–
dernização dos sentidos. Existirá
uma diferença entre visão e visuali–
dade, entre audição e audibilidade.
Estamos trazendo à ESPM do Rio o
músico Zbigniew Karkowski, que
estudou com Pierre Boulez e, agora,
está no JapãoestudandoNoise-que,
como o nome diz, é ruído. Ele está
tratando da emergência de novas
experiências de escuta, de audibili–
dade que poderão, daqui a pouco,
ser incorporadas como códigos na
cultura. Se você for hoje a uma
Ian
house
e desplugar (porque normal–
mente os garotos estão jogando com
fones de ouvidos), vai ouvir sons que
não são típicos do nosso cotidiano,
mas que estão nos celulares, nos
palms,
nos
laptops,
começam a
habitar a cultura produzindo novas
audibilidades. E, daqui a pouco, o
mundo da publicidade, que é ágil, se
apropria desses códigos e começa a
se comunicar dessa maneira.
JR
— É
uma distinção interessante,
entre visão e visibilidade, audição e
audibilidade. Só que os sentidos são
1...,109,110,111,112,113,114,115,116,117,118 120,121,122,123,124,125,126
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