Julho_2006 - page 126

A função social do teatro antigo demonstra
claramente a importância da cultura do
espetáculo e a sua profunda relação com
a política no interior da cultura ocidental.
Desde os seus primórdios, o público, o
espetáculo e a cultura política noOcidente
formavam um único universo, indivisível,
o verdadeiro embasamento da democracia
que nasceu, como observava criticamente
Platão, como "teatrocracia"', isto é, como
a ditadura do espetáculo e do julgamento
popular. Evento considerado fútil pelos
seguidores das verdades e competição im–
previsível e entretenimento prazeroso, como
o consideravam os cidadãos das antigas
cidadesdaMagnaGrécia, as representações
marcaramoencontroentrea comunicação,
o espetáculo e a política.
Do teatro grego para as competições
oratórias no Fórum Romano, até os
palanques midiáticos da era televisiva,
a democracia e a competição política
apresentaram-se, no mundo ocidental, na
formadeespetáculopúblico, istoé, deapre–
sentaçãodeargumentaçõessubmetidasao
julgamento dos espectadores. Como um
fio, tal prática se desenrolou no decor–
rer da história, aproximando as práticas
comunicativas da forma espetáculo com
aquelas do habitar e com o processo de
construção da cidade, da República ou,
em época mais próxima, da Nação.
A partir de um ponto de vista comunica–
tivo, para que a forma comunicativa do
espetáculo acontecesse, era necessária -
como mostra a etimologia do conceito de
"analógico" (do grego
proceder
separando) - a instauração da separação
entre o emissor e o receptor, isto é, entre
o ator, o político, o apresentador de um
programa televisivo e o seu público.
Toda a comunicação analógica funciona
na medida em que mantém separados
os distintos momentos da construção
do processo de repasse das informações
(emissor, mensagem, meio, canal) e,
sobretudo, na medida em que separa
identitariamente o sujeito-ator, emissor e
iniciador do processo comunicativo, dos
sujeitos receptores (público).
Teatro, imprensa, rádio, cinema e TV
construíram a forma analógica do habitar,
caracterizada pela difusão de mensagens
de um centro emissor para um amplo
público e pela divulgação unidirecional
das informações.
Tal modelo comunicat ivo, que per–
maneceu presente no decorrer da história
nos distintos momentos midiáticos,
parece, na época contemporânea, com
o advento da comunicação digital, entrar
em crise. Desde os reality shows até as
comunidades virtuais, ou as formas de
construção coletiva de conteúdos como
YouTube, o entretenimento parece ir em
direção a formas mais participativas nas
quais, mais do que a recepção passiva
de conteúdos, pede-se a participação
ativa do sujeito. Apresenta-se muito mais
a interatividade, isto é, o diálogo entre
o homem e a máquina, nestas novas
formas de entretenimento, com a pré-
condição do momento comunicativo,
que passa a se desenvolver somente
através da interação dialógica e contínua
do internauta que passa a estabelecer a
qualidade e a forma de interação. Um
exemplo para todos é dado pelos games
e pelos jogos colaborativos on-lineque cada
vezmais tomamo tempoe apreferênciadas
novas gerações.
O pressuposto desta nova cultura midiática
é o exato contrário da forma analógica:
nela não há como distinguir o emissor do
receptor, nem como descrever o processo
comunicativo como um evento que possa,
por um tempo determinado, atrair o in–
teresse de um público de espectadores.
Na comunicação digital, portanto, parece
necessário substituir o conceito de público
por aquele de redes, nas quais o significado
e o conteúdo do comunicar não são pré-
codificados, mas construídosatravésdeum
processo interativo. Mais um exemplo disso
é constituídopelamudançada relaçãocom
a música que está interessando os jovens e
os adolescentes. Àdiferença das gerações
anteriores, estas últimas parecem preferir
aos shows de rock às formas sintéticas e
participativas da música eletrônica e das
festas Raves. Se nos shows das estrelas de
rocka apropriaçãodo espetáculoeravisual e
coletiva, nas Raves, resultadodehibridações
artificiais entre música produzida por com–
putadores, drogassintéticasecorposparece
se passar a um tipo de percepção individual
e sensorial, a um sentir transorgânico, que
nada tem a ver com as formas comunicativas
analógicas do espetáculo.
Esta passagem da mídia de massa para a
personal mídia, do analógico para o digital
e do ver para o sentir, não deixará de alterar
a natureza da sociedade eos significados da
ação política. Falta saber se esta última será
substituídapor formas interativasediretasde
participação, ou se simplesmente desapa–
recerá, pelo menos na sua forma analógica
e coletiva, para sempre.
1.Aesserespeito, lembremosdascríticasàs
siracusanas,ascompetiçõesque irritavamPlatão
porpermitiremaopúblico, atravésdapráticado
levantar demãos, escolher as obrasmelhores.
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