Julho_2006 - page 117

o J. Roberto disse me parece correto.
Recentemente, num almoço, algu–
mas pessoas falavam que nós, como
pessoas, tínhamos a capacidade de
interferir no imaginário, ao ouvir
o rádio ou assistir à TV; porque as
produções eram muito simplórias.
Havia um espaço para pensar e
criar em cima; mas, hoje, está tudo
pronto. As execuções são fantásticas
e não há espaço para você interferir.
E eu dizia: pelo contrário, hoje em
dia interfere-se, participando, intera–
gindo, editando, reeditando. Estão
aí todos os aplicativos de internet,
onde não se é mais espectador; mas
criador e co-autor em uma obra
que não é mais de ninguém, onde
ocorre a democratização dessa trans–
cendência. Se antes, um grupo de
elitede pintores conseguia seexpres–
sar e transcender a existência deles
mesmos e daquela realidade que
enxergavam através de sua arte, hoje
a possibilidade dessa transcendên–
cia está à disposição de quase todo
mundo. Não no Brasil, onde 2% têm
tudo e têm medo, e 98% não têm
nada nem nada a perder.. Falou-se
aqui da individualidade. A grande
frase, de um grande autor (que sou
eu) é: a individualidade não anda
sozinha, anda em tribo. Atualmente
- ou pós-modernamente - a indi–
vidualidade anda em tribos; posso
pertencer a cinco tribos ao mesmo
tempo. Então essa pluralidade e esse
acesso permitem a transcendência,
a interferência, a recriação, da
mesma forma que, antes, ao ouvir
rádio e imaginar Jerônimo, como
o herói do sertão, ou ao assistir a
uma tosca novela da antigaTVTupi,
a gente recriava toda uma fantasia,
víamos outra imagem diferente da
que o rádio ou aTV nos dava. Hoje
fazemos a mesma coisa, só que com
as ferramentas de hoje.
JR
- O que nos conduz, de alguma
forma, ao espetáculo..
GRACIOSO
- Há 50 anos, Marshal
McLuhan -o primeiro a prever, logo
depois do surgimento da televisão,
o papel que ela iria desempenhar
- disse, com clareza:
the medium is
the message.
Mais do que o que se
diz, é a forma como se diz e o con–
texto em que é dito. Parafraseando
esse conceito, eu diria, hoje, que o
espetáculo é amensagem. Não só a
televisão, com seu mundo mágico,
consegue sobrepor-se ao conteúdo
da mensagem. Mas os shopping
centers, o mundo do futebol, a
marca de uma camisa no ambiente
feérico do atleta, que se acaba
transformando em marca, com sua
saúde, talento e vigor.. No ambiente
contemporâneo, pós-moderno, o
espetáculo está se transformando
numa extensão do meio, como
McLuhan previu?
VINÍCIUS
- McLuhan é um autor
que foi prematuramente posto de
lado. Num texto queestou escreven–
do, não chamo isso de espetáculo,
mas de experiência. Poderia traduzir
como
the experienceis the message.
O que o senhor traduz como "es–
petáculo" assume as muitas formas
daquilo que a gente pode chamar
de experiência e/ou entretenimento.
Proponho essa ponderação crítica,
porque - recuperando um pouco a
história do meio acadêmico - o es–
petáculo está muito ligado às idéias
de Guy Debord, em que a idéia da
espetacularização vem seguida por
uma crítica ferrenha..
GRACIOS O
- Gu y Debord chegou
a dizer que o espetáculo substituiria
a religião.
VINÍCIUS
- Sim, e ele é totalmente
crítico em relação aos meios de
comunicação como mediadores e
reorganizadores das práticas sociais.
É uma crítica violenta, sugerindoque
algumas arenas - termo que o Sr. usa
-, que usamos para regular as nossas
práticas sociais, ficarão deslegiti–
madas, porque a mídia vai-se apro–
priar de todas elas e nenhuma estará
qualificada socialmente. Podemos
falar do entretenimento como uma
forma diferenciada do espetáculo.
Isso a que o professor Gracioso se
refere - e que eu qualifico como
entretenimento - tem pelo menos
três momentos na história, como
objeto de estudo. Um primeiro, em
que o entretenimento não é desta–
cado de um conjunto de práticas
sociais da vida privada. Remete à
palavra entretere, aquilo que se fazia
entre-coisas, ditas "sérias". Sou um
ferreiro, estou lá fundindo omeu ob–
jeto e, nummomento em que aquilo
está pesado, vou olhar o passari–
nho, pela janela. O entretenimento
ainda não está definido como uma
prática diferenciada de um hobby
ou de um lazer. Na modernidade,
o entretenimento se torna commo-
dity. Atividades como música, teatro
etc. podem virar bens passíveis de
comercialização. Parece-me que o
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