Julho_2006 - page 114

"o mundo se transformou em um
grande lago congelado e a nossa
vida é como quem se desloca em
alta velocidade sobre uma fina casca
de
gelo;
se você parar, ela racha, e
você morre". Tocqueville, falando
da democracia no século XIX, dizia
que os homens já tinham um natural
cansaço com relação ao conheci–
mento e gostavam de repetir o que
a maioria pensa. Então, não sei até
que ponto a pós-modernidade não
é um arranjo teórico para dar conta
de uns 300 anos em que a gente
achou que entendia e ia transformar
o mundo e, de repente, começou a
ter dúvidas sobre isso.
JR
- E será que vamos iniciar um
novo entendimento?
LIVIA
-
Eu vejo a pós-modernidade
como alguma coisa que é fruto de
uma reflexão intrínseca ao universo
acadêmico. E, nesse sentido, separo
o universo acadêmico americano
do francês. Acho que os ingleses
e alemães estão periféricos nessa
discussão - mesmo que o Baumann
seja alemão e more na Inglaterra. Na
verdade, a origem dele é marxista,
com uma visão um pouco negativa
de todo esse processo. É mais uma
coisa do mundo acadêmico do que,
de fato, uma "realidade sociológica".
A pós-modernidade serviu bastante
para demarcar campos e trajetórias
acadêmicas bem claras. Pessoas
construíram carreiras em cima disso.
Os franceses produziram uma visão
profundamente negativa do mundo,
como é característica dos franceses,
e os americanos uma visão muito
positiva. "Já que nada deu certo,
nós podemos fazer tudo de novo, e
agora à nossa moda". Nesse sentido,
de uma perspectiva de cientista
social - seja isso o que for -, acho
que essas vertentes e tendências que
apontam para a pós-modernidade
têm pouco embasamento, do ponto
de vista empírico. Você descreveu
esse isolamento do homem, essa
distância e incompreensão - mas
os dados empíricos não sinalizam
nessa direção, ao contrário: nunca
as pessoas procuraram tanto o con–
tato, nunca efetivaram tanto esse
contato, através de toda a tecnologia
que se oferece hoje. Outra coisa:
nunca se encarou tanto a realidade
ao invés de se fugir a ela. O Bau-
mann fala de um período de idéias,
que nunca define, historicamente. É
outro problema, porque ele inverte
a utopia, põe a utopia no passado,
quando, na verdade, toda luta da
modernidade foi em busca
da libertação da tradição,
do pensamento religioso
e pelo desenvolvimento
pleno do indivíduo em
todas as dimensões. Isso
parece adquirir, na pós-
modernidade, um sentido negativo.
Mas nunca se discut iu tanto a
pobreza, nunca se discutiu tanto
a desigualdade, nunca se buscou
a reconstrução da totalidade hu–
mana, como na época atual, onde
os temas transpassam as fronteiras
nacionais e são discut idos em
fóruns comuns, buscando soluções
em comum. Se vamos encontrá-las
é outra questão. O ambientalismo
é uma dessas grandes discussões.
Então, não encontramos muita sus–
tentação empírica para as questões
que parecem dar contornos à pós-
modernidade. Esse é o problema.
Por exemplo, Bauman afirma que
a maioria das pessoas, hoje, vive no
princípio do prazer e não da reali–
dade. Talvez seja uma visão restrita
ao universo de um cientista social
que não encontra eco no universo
empírico. Essa idéia de que nós
vivemos no hedonismo..Claro que
não. Grande parte das nossas vidas é
dedicada a horas de trabalho. Nunca
se trabalhou tanto. Estou lendo um
livro sobre o West End de Londres,
no século XIX, de Erika Rappaport.»
1...,104,105,106,107,108,109,110,111,112,113 115,116,117,118,119,120,121,122,123,124,...126
Powered by FlippingBook