Julho_2006 - page 113

GRACIOSO
- O termo "sociedade
pós-moderna" é, certamente, uma
tentativa de expandir o conceito do
pós-modernismo, a princípio as–
sociado apenas à arte. Não é fácil
defini-lo, porque - ao contrário de
"sociedade pós-industrial", em que
sabemos exatamente por que ela é
pós-industrial - no caso da socie–
dade pós-moderna estamos lidando
com comportamento, atitudes, o
lado psicológico das pessoas, diante
de um mundo e de uma sociedade
cada vez mais complexos, difíceis de
interagir. Podemos dizer - embora
isso também seja discutível - que
esta sociedade provoca, nas pessoas,
uma angústia cada vezmaior, que se
procura aliviar de várias maneiras:
uma delas é pela fuga à realidade.
Por exemplo, passando muitas
horas assistindo a espetáculos de
todos os tipos, que nos encantam e
fazem esquecer. Acho que cada um
de nós poderia começar opinando
sobre isso. Numa segunda etapa,
tentaríamos entender a interação
que está havendo entre esse tipo de
sociedade e a comunicação.
PONDÉ - Acho que o conceito de
pós-modernidade é bem claro para
a inteligência acadêmica, teórica,
no sentido que foi sendo cunhado:
uma espécie de ampliação do pós-
modernismo, da discussão artística
e estética. Ao analisá-lo, penso que
seja um conceito que a academia e
a mídia foram construindo para dar
conta de uma série de fenômenos.
Encontramos pessoas que dizem:
"Nietzsche é um ancestral da pós-
modernidade", ou seja, um autor
do século XIX. Outros dirão: "Não,
Michel Foucault é que é pós-moder-
no"; um contemporâneo do Lyotard,
de Paris-8.. Devo lembrar que todo
conceito éartificial, os conceitos são
artificiais; quando a gente inventa
a periodização histórica - idade
antiga, idade média - isso tudo é
artificial, foi criado após os fatos..
Percebo esse conceitode pós-moder–
nidade como a nossa característica
bem contemporânea, de uma socie–
dade quemarcha em direção a uma
certa artificialidade. Também vejo a
pós-modernidade como um luto em
relação à modernidade. O período
moderno apresenta associações en–
tre ciência, capitalismo desenvolvi–
do, indústria, um tensionamento
com a religião - pelo menos no
plano do pensamento. A pós-moder-
nidade é um certo mal-estar em
relação às utopiasmodernas. Somos
realmente capazes de compreender
o mundo? Não só parecíamos ca–
pazes de compreender o mundo,
como éramos capazes de trans–
formá-lo, a partir de um raciocínio
pautado numa observação empírica,
científica, na previsão de fatos, na
descrição de eventos.. Essa é uma
das questões que me parece mais
interessante na pós-modernidade,
para além da angústia. Há um livro
do Smith, se não me engano, que
comenta Zygmunt Baumann, o pro–
feta da modernidade, que faz uma
brincadeira com o mito da caverna:
na caverna da pós-modernidade,
acorda-se no meio da noite e vê-se
uma luz que vem do fundo da sala,
de um buraco na parede da sua sala;
você se aproxima do buraco e vê
que há um mundo do lado de fora
que é irreconhecível em seus códi–
gos e hábitos. Esse mundo tem um
abismo, passarelas, as pessoas falam
línguas que você não entende, com
gestos que você não entende, ves–
tem-se de forma estranha.. Aí, você
pega o seu guia de sobrevivência da
modernidade - aquelas teorias todas
montadas para ajudar a entender
e transformar o mundo - mas não
adianta. Quando você sai pelo bu–
raco, percebe que o seu código não
funciona, você não tem o sistema
- o seu livro, o seu manual não está
conseguindo representar perfeita–
mente o que acontece. Então, não
sei até que ponto essa coisa de pós-
modernidade não é o começo de
umprocessodepercepçãoda ilusão
que foi a utopia moderna. Quem diz
que as teorias produzidas ao longo
da chamada modernidade de fato
explicam alguma coisa? Ou que exista
alguma chamada dialética e que se
conseguirá transformar o mundo,
a partir de uma dialética histórica?
Nesse contexto, para mim, o con–
ceito de pós-modernidade acaba
tendo realidade concreta, como um
instrumento para compreender o
mundo, talvez, antes de tudo, como
instrumento para compreender uma
sobreposição da emoção às utopias
racionais, científicas. Sempre existiu
emoção e a pós-modernidade acaba
mantendo um certo vício moderno,
de achar que as nossas teorias con–
tinuam compreendendo o mundo
e a gente continua a ser capaz de
transformar o mundo. Vem-me à
cabeça uma imagem de Emerson,
filósofo americano do século XIX:
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