Janeiro_2007 - page 57

A sociedade dos
executivosmortos
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R E V I S T A D A E S P M –
JANEIRO
/
FEVEREIRO
DE
2007
ES
PM
Entrei semqualquer dificuldadeeme
vi,de fato,numsalãocheiodevitrines
que lembrava ummuseu. Subi uma
escada demadeira e parei diante de
umaportaonde se lia:Diretoria. Abri
a porta e encontrei-me numa típica
salade reuniões,ondeestavamvários
homens sentados em volta de uma
grande mesa. Pareciam pensativos,
acabrunhadosenãosesurpreenderam
com aminha chegada. Ao contrário,
parecia até que me esperavam e es-
tavam ansiosos pelaminha chegada,
como se eu tivesse resposta para as
suasdúvidas.
Dirigi-me ao homem que presidia a
reunião, sentado à cabeceira. Era a
imagemvivadadesolação.Disse-me
o seguinte: ‘Nossafirma já foi amaior
fábricade laticíniosdaRenânia.Além
dequeijos,iogurtesecremes,fazíamos
também geléias de frutas. O negócio
foi iniciadopelomeubisavô, hámais
de 100 anos, e permaneceu sempre
nasmãos da família.Alguns demeus
colegas aqui presentes são mais ve-
lhos do que eu e já participavam da
diretoria quando meu pai faleceu e
eu assumi a direção geral. Sempre
tivemos a obsessão pela qualidade,
mas ultimamente era muito difícil
controlar os custos e começamos a
perder a preferência de clientes que
trabalhavamconoscohámaisdecin-
qüentaanos.Umgrandeconcorrente
nos procurou, certa vez, propondo
uma fusão. Na verdade, nossa firma
seriacompradaporeleseperderíamos
anossaautonomia. Pusoassuntoem
votação e a maioria achou melhor
continuarmos sozinhos (vários dos
homens ao redor da mesa fizeram
sinaisafirmativoscomacabeça).Acha-
ram que ainda era possível reagir e
contratamosumafirmadeconsultores
de Frankfurt que sugeriu mudanças
drásticas. Começamos a introduzi-
las,mas as coisas pioravam, ao invés
demelhorar, atéquechegamos aum
pontocrítico. Fomos forçadosa abrir
falência, tentandoressalvaros interes-
ses dos credores e dos funcionários.
Maisde trezentaspessoas, todosmora-
doresnaregião,ficaramsememprego.
Conhecia todos pessoalmente, eram
descendentesdefamíliasquetrabalha-
vamconoscohágerações.
Hoje,nãohámaisnadaafazer.Maseu
emeus colegas não teremos sossego
enquantonãodescobrirmosseaculpa
foi nossa. Será que deveríamos ter
feito alguma coisa que teria evitado
estedesastre?’
Seesperavamqueeu tivesserespostas,
infelizmente ficaramdecepcionados.
Não quis dizer-lhes o que pensava
–quea suahistóriaera igual amuitas
outrasequeaculpanãoera somente
deles; eradeum séculocruel paraos
executivosquedevem tomardecisões.
Agideuma formaquehojemeparece
estranha:abençoei-osesaí, semdizer
palavras. Desci amesma escada por
ondesubira,masdestavezpareinuma
espéciedecafeteriaondeosprodutos
da antiga fábrica eram servidos aos
visitantes.Sentei-meaumamesacom
toalha xadrez, azul e branco. Uma
moça loira e sorridente sentou-se ao
meu lado, enquanto um garçom já
velho, que andava com dificuldade,
trouxe-nos uma bandeja com laticí-
nios e geléias. Parti de estômago
cheio emuito impressionado com a
gentilezacomqueme trataram.
Navolta,pareinovamentenomesmo
café onde já estivera e contei ao
proprietário que havia seguido o seu
conselho e visitado a velha fábrica
de laticínios. Falei da conversa com
os diretores, no segundo andar, e do
atendimentoque receberana lancho-
netedafirma.
Ohomemouviu-mesilencioso,numa
agitaçãocrescente.Quando terminei,
eledisse: ‘Mas o senhor nãopode ter
encontrado ninguém. Aquela fábrica
fechouhámaisdequarentaanos.Esses
homens–essesdiretores–jámorreram
hámuito tempo.Aúltimaa falecer foi
G.R., a moça que diz ter sentado à
mesacomosenhor.Elamorreuemum
acidentedecarrona Itália’.”
EPÍLOGO
Asúltimaspalavrasdahistóriaaindaecoa-
vamnasala,masnóstodospermanecíamos
quietos, claramente surpresos. Ninguém
sabiaoquedizer.Nessemomento,minha
mulherabriuaportaparachamar-nos,pois
estavanahoradesair.Elapermaneceuno
vãodaportaporummomento,olhou-nos
assustadaeperguntou:“Oqueaconteceu?
Atéparecequevocêsviramfantasmas”.
Ninguémrespondeu,mascreioquenão
vimos fantasmas. O que vimos fomos
nóspróprios,refletidosnumespelhomis-
terioso.Enãogostamosdas imagens.
Jánarua,aoabrirumguarda-chuvaque
lheemprestei(equeeleatéhojenãode-
volveu),umdemeusamigosolhou-me
muitosérioedisse:“Sabeoquepenso?
Tenha sido sonhoounão, ahistóriado
Manfred traz uma mensagemmuito
clara:oprimeirodeverdeumdirigente
deempresa, nãoperanteos acionistas,
massimdiantedeDeus,é tornaraem-
presa próspera e fazê-la crescer. É por
issoqueelanos foiconfiada”.
Pedro Ernesto Fernandes.
Onome real doautor foi preservado, a seupedido.
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