Setembro_2007 - page 87

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SETEMBRO
/
OUTUBRO
DE
2007 – R E V I S T A D A E S P M
Luiz Felipe
Lampreia
LAMPREIA
– Sem dúvida. Isso foi
um imperativo histórico. Desde a
independência, o Brasil sempre foi
umpaís singularnaAméricadoSul;
porque era monárquico, porque
fala português, porque obteve a
sua independência através de um
arranjo familiar e não através de
uma lutaarmada–enfim, por todos
títulos, desde o início o Brasil era
visto, inclusive por Bolívar, como
uma espécie de cavalo de Tróia...
Com uma multiplicidade de vizi-
nhos, sempre tivemos de cuidar
muito das relações internacionais
– e durante o Império, emparticular.
O Brasil teve uma presença militar
marcante no Prata, de modo geral.
A partir da Guerra do Paraguai não
houvemaisessapolíticaexpansionis-
ta, imperialista, mas, de qualquer
modo, havia questões de fronteira a
resolver. Até o Barão de Rio Branco,
isso requeria uma atenção especial.
DepoisdeRioBrancodeixoudeexistir
essa premência, mas o fato é que
o Brasil é visto até hoje com uma
certa desconfiança.
JR
– E a nossa atuação comercial,
econômica?Muitas vezes ouvi que
o presidente dos Estados Unidos
era o vendedor número um da sua
indústria e, portanto, a diplomacia
americana sempre serviu interesses
econômicos, em primeiro lugar.
Comoosenhorvêessa relaçãoentre
adiplomaciaeos interesses comer-
ciais e econômicos doBrasil?
LAMPREIA
– É ainda uma relação
recente e pouco resolvida. O
presidente americano John Calvin
Coolidge deu uma definição do
seu país que eu acho engraçada:
“The business of the United States
isbusiness”, ou seja: onegóciodos
Estados Unidos são os negócios.
No Brasil, evidentemente, não há
isso. Eu diria que existe até, no
Itamaraty, uma certa relutância,
um certo pudor de se envolver
com um setor que era chamado
pelos conservadores – pelos anti-
gos – como “secos e molhados”.
Quando entrei para a carreira, fui
trabalhar no setor do café, o que
me deixou orgulhoso, por ser a
coisa mais importante do Brasil,
na época. Meu tio-avô tinha sido
embaixador em Londres e Lisboa,
e minha avó tinha sido secretária-
geral; eu fui contar a eles do meu
orgulhoeouvi: “Meufilho, issonão
écoisadediplomata,pois são secos
e molhados”. Mas isso mudou -
basicamenteapartir dePauloTarso
Flecha de Lima, que, no início dos
anos 70 criou o Departamento de
Promoção Comercial e começou
a haver um bom relacionamento
com o meio empresarial para a
promoção do comércio brasileiro,
dos investimentos e dos negócios
demodogeral.Masacoisaatéhoje
ainda não está bem resolvida.
JR
–O recenteepisódioenvolvendo
onossoembaixadornosEstadosUni-
dos, RobertoAbdenur, é indicativo
deumcertoconflitoentreosnossos
interesses econômicos e a posição
ideológicadogovernoem funçãodo
partido dominante, que é o PT?
LAMPREIA
– Acho que houve,
nessecaso,mais umaquestãopes-
soal.Mas achoo casodaBolíviao
mais patente de todos. O governo
brasileiro não defendeu a Petro-
bras de modo nenhum, deixou a
Petrobras entregue à sua própria
sorte, o que acabou levando à
expropriação da Petrobras...
JR
–Mas,poroutro lado,opresidente
Lulaestá,nessemomento,emviagem
e justifica tantos contatos internacio-
nais para promover o comércio ex-
terior, como se fosse um caixeiro
viajante. Elemesmodisse...
LAMPREIA
– Mas são coisas dife-
rentes: apromoçãodasexportações
das empresas brasileiras, e outra
coisa o apoio a essas empresas,
quando estão em situações de
criseeconflito. Issonão temacon-
tecido, porque há uma visãomais
ideológica que dámais importân-
ciaao relacionamentodegovernos
como o de Evo Morales ou de
HugoChávez, doqueaos interess-
es das empresas, uma priorização
do político sobre o econômico,
o comercial. Eu acho que é um
equívocomuito grande.
JR
– E como o senhor vê o movi-
mento de empresas brasileiras, em
anos recentes, no sentido da inter-
nacionalização?
“PELAPRIMEIRAVEZ, OBRASIL
TORNOU-SEEXPORTADORDECAPITAIS.”
“A FRONTEIRAMAISPRÓXIMA
ESTÁADOISMILQUILÔMETROS.”
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