Julho_2006 - page 100

quinas que nos fazem ver, que nos
fazem ser vistos e que nos permitem
vermo-nos sendo vistos. Mas, afinal,
quem observa quem?
Porteirosdivertem-secom sua contem–
porânea ocupação de guardiões de
imagens privadas. Assaltantes de con–
domínios de luxo não se esquecem de
levar consigo as mais determinantes
provas do crime: as fitas do circuito
interno de televigilância. Alguns
aceitam o convite e sorriem quando
estão sendo filmados. Outros adoram
fazer gestos obscenos para domésticos
panópticos. Alguns olham para todos
os lados. Outros desviam os olhos.
Alguns preferem não olhar. Há aque–
les que nada conseguem enxergar.
Outros insistem em olhar para além
dassuperfícies.
Todos têm na ponta da língua a
óbvia constatação: imagens visuais
assumiram um lugar determinante
nas sociedades contemporâneas.
Estamos inexoravelmente cercados
por imagens visuais tecnicamente
mediadas. Vivemos com o mundo na
ponta doolho. Omundo, por sua vez,
só nos sabe se nos puder ver. Para que
nos veja transformarmo-nos, às vezes
a contragosto, em imagens dotadas
de visualidade. Estranhamutação. In–
versão radical de quaisquer iconoclas–
tias, só se ganha materialidade visual
abdicando-sededensidadecorpórea.
Dispensamos o espírito do tempo
para mais intensamente mergulhar no
espírito do olhar.
Se o grande impasse vivido na pós-
modernidade e em sua cultura da
visualidade, como alertado por Jean
Baudrillard, é conseguir encontrar
os olhos para ver, é igualmente justo
diagnosticar na crescente estetização
da cultura um dos mais nodais focos
desde onde se abalam os pilares
conviviais de sociedades fundadas
na negociação entre cidadãos autóc–
tones. A crise ética não é estranha a tal
cenarização compulsória do social.
No universoda comutação, a existên–
cia pulveriza-se em bits e a corporali–
dade fractaliza-seem imagem. Oolhar
que possibilita o encontro é omesmo
que reafirma a distância entre os cor–
pos e a efemeridade da comunhão.
E seguimos nos encontrando: aos
solavancos, em trânsito, submersos
no transe de uma visualidade exces–
siva, nesta erótica das miradas que
pode dispensar a erotização do face-
a-face.
Não há justa medida possível se acei–
tarmos que todas as medidas são pos–
síveis. Se tudo é cenário, o verdadeiro
jogo é aquele que se dá nos bastidores
e, astutamente, a indústria midiática,
seja ela voltada ao entretenimento ou
à informação, esforça-se para trans–
formar os bastidores em espetáculo
visualmente visível, ao modo de uma
neutralizaçãoda real percepçãodopro–
tagonismoqueali possa realizar-se.
Assim, em uma potente força de
homogeneização, amalgamadas pela
mesma lógica do espetáculo, tor–
nam-se visíveis negociatas políticas,
falcatruas econômicas, crises conju–
gais de estrelas televisivas. E o que é
grave, ao pensarmos no impacto de
tal ação, diz respeito, exatamente, à
indiferenciação aí gerada, ao convite
à indiscriminação da natureza e dos
diversos alcances daquilo que está
sendo visibilizado.
E o que há de positivo em tudo isto?
O discurso pós-moderno é uma nar–
rativa de denúncia e, em alguns casos,
de profundo desencanto ou niilismo.
Proponho, finalizandoesteartigo, que
o tomemosem um sentidomuitopecu–
liar. Penso que pode ser útil, em espe–
cial atodosaquelesque trabalham com
aComunicaçãoou aestudam, em seus
variados desdobramentos, perceber a
positiva provocação que reside neste
modo de olhar para omundo e para o
mundodas imagens, perguntando, in–
cansavelmente, sobreoqueas imagens
fazemconosco. Mas, emespecial, ede
modo aassumir umapostura assertiva:
o que afinal fazemos com o que as
imagens fazem conosco?
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