Janeiro_2005 - page 90

Mesa-
Redonda
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REV I STA DA ESPM–
J A N E I RO
/
F E V E R E I RO
D E
2005
Joãozinho Trinta. Quando alguém
criticou o luxo da Beija Flor, ele
disse: “Quem gosta de pobreza é
intelectual; pobre gosta de luxo”.
Acho que a expressão “pobre gosta
de luxo” possivelmente nunca foi
pronunciada na Europa. Isso é uma
coisa nossa, como diziaNoel Rosa
– como o samba, a prontidão e
outras bossas.
FERREIRINHA
–Acabodevoltarde
uma viagem que incluiu Tailândia,
Indonésia e Índia. Eles convivem
com a pobreza – são
brasis.
LIVIA
– A Índia é o maior consu-
midor de ourodomundo.
JR
–Mas será que existe lá a mes-
ma restrição ética à desigualdade?
LIVIA
–Na índiacertamente.ATai-
lândia, conheço turisticamente.
JR
– Nesses países também a desi-
gualdade é algo que não é aceito.
FERREIRINHA
– Minha resposta
a esse tipo de crítica é sempre a de
que o segmento de luxo emprega,
gera divisas. Não há nada de amo-
ral nisso. É uma atividade econô-
mica; não é uma contravenção; é
um segmento de negócios que gera
divisas. Pobre gosta de pobreza?
Claro que não. Quem faz um
trabalho brilhante, hoje, no Brasil –
talvez o exercício prático da fala
do Joãozinho Trinta – chama-se
CasasBahia. ACasasBahiaépouco
diferente do Ponto Frio Bonzão. A
geladeira Cônsul que ela vende é a
mesma do Ponto Frio. Só que a Ca-
sas Bahia é três vezesmaior do que
todas as outras somadas, porque ela
não vende eletrodomésticos; ela
vende sonho, possibilidade, desejo
de ascensão.
MAURO
– Essa dicotomia entre o
pobre e o rico, essa desigualdade,
acho que o luxo até se serve disso.
O fato de ser aspiração é porque
alguémnão tem–éumdespossuído
que aspira aquilo. Num universo
perfeito, totalmente democrático,
acho que não existiria luxo – por-
que ele é aspiração, vive disso: da
diferença.
LIVIA
– Só que nunca existiria um
universo social emquepredominas-
se a igualdade; nemonde não exis-
tisse aspiração.
MAURO
– Por exemplo, desde a
antigüidade – o Egito – aqueles
cultos aos mortos, a suntuosidade
daquilo. Havia despossuídos do
mesmo jeito, mas a pompa se
legitimava como divina. Esse pro-
blemaéticonãoénovo,nempróprio
do Brasil, mas vem atravessando as
eras.
LIVIA
–Acondenaçãomoral ao lu-
xo, especificamente, e às conse-
qüênciasqueelepode trazermoral-
mente, édiferentedeumadiscussão
da desigualdade sob suas dimen-
sões política e econômica. Que é
o caso brasileiro, em que não se
discute moral; o que é amoral é a
desigualdade, amá distribuição da
renda, não o fato de existir o luxo.
ISMAEL
– No Brasil, as pessoas
gostamdeverosseus ídolosseapre-
sentando bem. Lembram quando o
Roberto Carlos comprou um iate –
o famoso “Lady Laura” – e todos
diziam: “Mas ele tem de ter mes-
mo. Ele é nosso rei”.
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