Janeiro_2005 - page 89

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J A N E I RO
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F E V E R E I RO
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2005–REV I STA DA ESPM
e grunche que há comoMarc Jaco-
bs. Por que a Hermès fez isso? Por-
que precisa refrescar a marca, caso
contrário morre. Daqui a dez anos
vãodizer: “AHermès foi umamarca
muito bacana”.
JR
– Livia, você está falando pou-
co. Como vê, nesse nosso país de
contradições, que tem um segmen-
to importante, dos chamados “des-
possuídos”, essa questão de artigos
de luxo...?
FG
– Mais do que o lado ético,
parece-me existir uma contradição.
LIVIA
–O luxodentrode uma dis-
cussão do ponto de vista ético,
moral, sempre foi um problema,
paraoeuropeu.Nopensamento so-
cial europeu, há essa discussão e
um “apavoramento”daaristocracia
com a verticalização do consumo.
O luxo era visto como trazendo a
lassidão moral, a degenerescência
doscostumes.Quemdeveriaconsu-
mir o luxo era a aristocracia; os ou-
tros não. O fato é que ocorreu uma
revoluçãodo consumo e ele se ver-
ticalizou para outras camadas so-
ciais. O luxo não estava mais na
posse de bens de luxo, mas, funda-
mentalmente, em saber usá-los. Por
isso, o estilo e o
design
se tornaram
elementos, sinais diacríticos de
pessoas ligadasao luxoeaopróprio
luxo.NoBrasil, nãoháumadiscus-
são sobre luxo; mas sim sobre
desigualdade social. Concordo que
o Brasil é um mercado potencial.
Nos trabalhos que faço, por exem-
plo, sobre organização de orça-
mento doméstico, simplesmente
não existe o item poupança, inde-
pendentementedaclasse.Seháuma
sobra, é semprealocadaao lazerou
ao consumo. Neste país – abso-
lutamente instável,dopontodevista
econômico – a racionalidade
econômica seria economizar. Mas
não.Canaliza-se tudoparaoconsu-
mo. O que afeta o consumo do
brasileiro não é o juro, mas salário
e desemprego. Se ele tiver dinheiro
no bolso, vai gastar. É impressio-
nante analisar os orçamentos de
verdade: na maior crise, a pessoa
não tem nenhuma intenção demu-
dar seu padrão de gastos diante de
uma situação econômica desfavo-
rável.
FG
– Estava lendo, ontem, que a
massa salarial, neste fim de ano,
subiu 8% em relação ao ano pas-
sado e a produção industrial 8% –
exatamente a mesma coisa.
LIVIA
–Acho que o imoral está na
desigualdade. Se todos tivessem
muito, o luxo não seria um proble-
ma. Lembro-me do Ronaldinho,
quando comprou uma Ferrari. De
que o acusaram? De ostentação,
num país pobre, de pessoas desi-
guais. O problema não era uma
preocupação moral européia ou
puritana: “Como a pessoa pode ter
ou viver para além do conforto, da
mera frugalidade. Como isso afeta
suaalma, seuespírito, suadimensão
moral?” No Brasil é uma questão
de desigualdade. Então, o debate
vai existir enquanto houver desi-
gualdade. Quando essa desigual-
dade diminuir, provavelmente tere-
mos novosmercados paraprodutos
e serviços de luxo.
JR
– Você deu-nos uma pequena
aula e colocou essa questão de
forma clara – mas fez-me lembrar
do nosso filósofo popular, o
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