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REV I STA DA ESPM–
J A N E I RO
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F E V E R E I RO
D E
2005
Consumo
deAcesso
gerando uma certa atomização das
práticas simbólicas, com o conse-
qüente distanciamento da organi-
zação coletiva.Os indivíduos tanto
nas suasdemandaspolíticas,quanto
na articulação dos eventos artísti-
cos, de lazer, ou mesmo das ativi-
dades de consumo, se voltam para
os conteúdos demaneira local, em-
bora com pretensões de universa-
lidade. Assim, se são agrupados, o
são de modo fragmentário e torna-
se difícil coordenar ou hierarquizar
as demandas de cada um, segundo
uma perspectiva mais global.
A conservação e administração dos
patrimônios socioculturais, relativos
àsnacionalidadesdistintasdosvários
indivíduos,definemoquecadagrupo
social tenderia a assumir como um
modo particular de ser, porém nesse
início de século XXI, aquelas repre-
sentações relacionadas aos pro-
blemas básicos de sobrevivência
individual e social dos séculos ante-
riores, particularmente nas grandes
metrópoles, deixam de ser decor-
rentes do trabalho, do emprego, das
ocupações funcionais, para serem,
tão-somente, expressão da escolha
do indivíduo-consumidor. Em São
Paulo, por exemplo, vivem cerca de
doismilhões de nordestinos e outros
tantos imigrantes, procedentes dos
demais Estados, além de todas as
outras nacionalidades, como as de
origem asiática e européia, integra-
das aum tecido social que, cadavez
mais, ganha as tonalidades, as for-
mas, as composições e os códigos
culturais da mestiçagem.
O
lugar mestiço
é a principal re-
ferência simbólica do consumidor
moderno.Comomestiço,entreoutros
modos de interlocução e de acesso,
constitui-se num vetor delicado e
ambíguo,quandonãoháumaadesão
completa aos bens e serviços que
consome, oumesmo quando se está
completamente envolvido pelo
contexto. Portador, por exemplo, de
valores bons oumaus, como agente
ativo ou passivo de uma ação eco-
nômica, esse consumidor se apro-
veita, às vezes, imensamente, de
uma situação de vida qualquer e a
inverte, podendo, então, ver-se im-
piedosamente escorraçado, excluído
como um parasita. Os desemprega-
dos, osmeninos emoradores de rua,
os dependentes químicos, os obesos,
os
workaholics
, sãoexemplosdessa
categoria. Como um ponto inde-
finível no universo simbólico das
representações sociais, sua varie-
dade social, sem espessura nem
dimensão e, contudo, com a totali-
dade do volume que representa na
rededas interligações do ambiente,
não cessa de vibrar, oscilante, por
exemplo, entre as ofertas disponí-
veis na sociedade de mercado e o
desprezo, a indiferença e o interes-
se, a informação e desinformação,
a morte e a vida.
A rede de troca e relacionamentos
cria padrões de uniformidade, reor-
ganiza os hábitos estabelecidos, e
promove novosmodos de trabalhar,
de se vestir e de se distrair; além
Nasgrandesmetrópoles, serum“moradorde rua”, por exemplo,
alémdesignificarumacondiçãodevida, éagarantiadeacessoa
um reconhecimento,mesmoque“anônimo”, da lógicadaprodução,
redefinindoosentidosocialdesuaexistênciaconcreta.
Foto: Corbis/Stockphotos
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