Janeiro_2005 - page 13

Gilles
Lipovetsky
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J A N E I RO
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F E V E R E I RO
D E
2005–REV I STA DA ESPM
você tem razão que, sendo muito
complicado, torna-se, por vezes,
insuportável. Temos também outros
exemplos bem interessantes em se
tratandodo luxoedaalta tecnologia.
É o que está fazendo, neste mo-
mento, oGrupoVirgin. Eles querem
realizar, agora, viagens à estratos-
fera, permitindoàspessoas ricasvia-
jarem em uma espécie de foguete,
talvezpor umdiaoualgumashoras,
para sentirem a ausência de
gravidade. É um novo mercado de
luxo, e o limite é o infinito. Richard
Branson investiu nesta dimensão.
Eles têm o capital necessário e irão
tentar permitir a uma classe
privilegiada, financeiramente, ter
acesso, conhecer, graças amais alta
tecnologia, algo realmente luxuoso,
pois custamuito caro; porém, essas
pessoas terão a possibilidade de ter
sensações e emoções que,
evidentemente, não teriam ao ir ao
hipermercado...
JR
– Na sua entrevista à Veja, pa-
rece que o Sr. afirma que o homem
é, segundo sua visão, mais racional
quando se trata de moda do que a
mulher.
GILLES
– Não, “racional” não foi
a palavra que empreguei. Eu disse
que eles têmmenos motivações.
JR
– Mas a pergunta que lhe quero
fazer é sobrehomens emulheres.Há
mulheres executivas, profissionais,
bem-sucedidasnaEuropa,nosEstados
UnidosenoBrasil,eessanovamulher
é capaz, elegante e tem grandes
cuidados consigo mesma. Em que
medida esse sucesso feminino teria
influenciado a preocupação que os
homens parecem estar tendo com a
própria aparência e a moda?
GILLES
– Não me parece que as
mulheres tenham criado um novo
modelo de comportamento. É mais
profundo. Éverdadequeos homens –
sobretudo os mais jovens – estão se
preocupando mais com a própria
aparência, fazem regime,corridas,não
querem ficar gordos.NoBrasil, fazem
cirurgia estética, sim, tudo isso é real.
Masnãoacreditoqueestejamimitando
as mulheres. Refiro-me às causas
profundas, aos novos códigos da
sociedade, que são a valorização –
comovocêmencionou–daaparência,
dabeleza,mas tambémocultodasaú-
deedocorpo,oquevale tantoparaos
homens quanto para as mulheres, o
narcisismo; o fato de cuidar de si
mesmo, hoje, não ser considerado
como ummal, um pecado...
JR
–Mas o Sr. não acha que amu-
lher chegou a isso antes? Para os
homens é novidade, mas a mulher
faz isso há anos!
GILLES
– Não considero que
estejam imitando as mulheres.
Penso que as causas são mais
profundas, que o problema esteja
relacionado – em nossa sociedade,
em particular aos homens – a algo
novo, queéa recusadeenvelhecer.
Como vocêmesmomencionou – e
com razão – asmulheres, hámuito
tempo, usam maquiagem para es-
conder a idade. Mas não creio que
os homens tenham mudado seu
comportamentoporqueasmulheres
executivas se preocupam com elas
próprias, fazem ginástica etc. Acre-
dito que seja o novo modelo da
mídia de forma geral, o culto da
juventude, o culto da forma que
leva os homens a se preocuparem
muito mais com eles próprios.
Houve tempo em que os homens
deixavam crescer a barba para
pareceremmais velhos, pois assim
eram mais respeitados. Atual-
mente, eles fazem cirurgia esté-
tica, por exemplo, lifting, porque
não querem parecer velhos.
JR
– Gostaria de acrescentar algo
à entrevista?
GILLES
– O assunto é amplo. Eu
acredito–comomencionei hápou-
co –que épreciso estar atentopara
não se ter uma visão paranóica do
luxo, porque – como já disse desde
o início da entrevista – o luxo é
uma questão delicada. Não deve-
mos fazer o louvor ao luxo, seria
obsceno! Não é admissível quando
há, ainda, pessoas pobres, favelas...
JR
– Mas como o Sr. disse, uma
não é a causa ou o efeito da outra.
GILLES
– Portanto, não é possível
fazer um louvor ao luxo e, aomes-
mo tempo, denunciar o luxo como
algo censurável. Acredito que não
devemos viver unicamente para
sobreviver. Há no luxo um ideal
subjacente, que é a beleza, a sen-
sualidade, a qualidade, inspirações
profundamente humanas. E essas
inspirações, nãodevemosmatá-las.
Seria preciso, apenas, que elas pu-
dessem ser mais abrangentes. Mas,
não serádizerqueéprecisodestruir
o luxo dos outros para que todo
mundo viva melhor.
JR
– É preciso estimulá-lo.
GILLES
– Sim, é preciso trabalhar
para que a miséria possa diminuir
e o luxo crescer, considerando a
diversidade – e ganhe maiores ca-
madas da população.
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