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REV I STA DA ESPM–
J A N E I RO
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F E V E R E I RO
D E
2005
presente, pois um presente não é
algo utilitário, é algo dado com li-
beralidade, que também não deixa
de ser uma espécie de desperdício.
Portanto, nãome parece adequado
que, em nome da caça ao desper-
dício, se faça a caça aos demais
elementos que representam a
felicidade da existência.
JR
– Como o Sr. sabe, nosso pre-
sidente é do Partido dos Traba-
lhadores. Portanto, é politicamente
correto identificar o luxo com o
supérfluo. O que o Sr. acha?
GILLES
–Rousseau falariamais ou
menos dessa forma. Sabe, o supér-
fluo existe, sim, e essa é uma ques-
tão muito antiga. Só que definir o
supérfluo é extremamente difícil.
Por exemplo, para um cidadão
primitivo, o chuveiro no banheiro
seria supérfluo, assim como o
telefone. Portanto, onde podemos
parar o supérfluo? Não se pode
deter o progresso humano, no que
manifesta de supérfluo. O que é
condenável é que existam indiví-
duos que não têm acesso ao ele-
mentar. Isso sim, é inaceitável!
Mas não é porque as pessoas com-
pramperfumes Chanel que existem
pobres. A crítica política das injus-
tiças é necessária, mas é bemmais
fácil denunciar o luxo, como tam-
bém é mais fácil responsabilizar a
televisãoou aprópria sociedadede
consumo por uma série de coisas.
Por exemplo, se há crimes, dizem
que é por causa da televisão, isso
não tem fundamento. Se existem
crimes é porque há injustiça e
miséria; não é a televisão que faz
ocrime. Pode ser quecontribuaum
pouco, mesmo assim, não muito.
Como luxoocorre omesmo: não é
porque as pessoas possuem belos
carros ou viajam de avião que
existem pobres nomundo.
JR
– O Sr. acredita que a indus-
trialização e a globalização estão
levando à homogeneidade cres-
centedosgostosedosprodutosque
a moda oferece?
GILLES
– Isso é inegável. Basta ir
àCingapura, HongKong, Nova Ior-
que ou São Paulo para observar –
em todas as partes – apresença das
grandes marcas de luxo da moda.
Visto por este ângulo, realmente há
uma globalização das marcas que
está bem visível, o planeta está se
tornando homogêneo. Mas, tam-
bém há, por um lado, modas bem
diversificadas, como a moda dos
jovens; por outro, há uma fragmen-
tação dos critérios e dos estilos de
moda. Ou seja, se uma mulher
compra um vestido Miyake, não é
omesmo lookoumesmo estiloque
Chanel ou Jean-Paul Gaultier.
Embora haja uma globalização das
marcas, o universo da moda
continua sendo extremamente
diversificado. E essa diversificação
possibilitauma individualizaçãoda
moda atual – em todo caso na
Europa, em todo o continente
europeu, no Brasil talvezmenos. A
tendência é de escolhas mais
pessoais em relação à oferta do
mercado; istoé,amulherpodeoptar
por determinadovestido, fabricante
decamisasoucalças compridas em
função de sua anatomia, idade e
gosto pessoal. De fato, são duas
tendências contrárias que se
manifestam: a globalizaçãodo gos-
to e, simultaneamente, a individua-
lização do gosto. Ambas!
JR
–OSr. nãoachaque secaminha
para valorizar principalmente as
diferenças de comportamento das
pessoas, mais do que o uso dos
produtos ou dos artigos de luxo da
moda?
GILLES
–As duas sedesenvolvem.
Cada marca hoje – você sabe bem
– deve construir a sua persona-
lidade de marca. É necessário, em
se tratando do nicho do luxo,
estabelecer a diferença com os
complementos, caso contrário
destrói-se o mercado. Assistindo a
uma exigência de personalização.
Por exemplo, em São Paulo – a sua
cidade – há bares, restaurantes,
night clubs, todos esses espaços são
decorados com cuidado, para que
haja uma personalização bem
definida. Você pode escolher ir a
umdeterminado restauranteporque
tem um look, um estilo particular
que lhe agrada e, na semana
seguinte, ir a outro restaurante que
possui um ambiente ou uma
decoração diferente.
JR
– Bem ao contrário dos fast
foods.
GILLES
– Exatamente. É preciso
entenderqueomundohiper-moder-
no caminha em direção ao para-
doxo. Sempre tendências con-
trárias. De um lado, a presença dos
fast foods, algo muito homogêneo
e, de outro, o desenvolvimento de
conceitos, decorações e objetos
mais individualizados. Tratando
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