Julho_2006 - page 67

Umoutroelementodopólo trágicoéo
fatalismo. Na religiosidadedos iorubas
- o componente africano majoritário
na população brasileira - existe um
elemento de fatalismo, de predesti–
nação, muito forte. E esse fatalismo
é cada vez mais dominante por toda
parte. Durante o século20, pensamos
- comMarx e Freud -que tudo podia
ser feito, que odestinode um homem
estava ligado à sua classe social, à
sua educação, às suas experiências
durante a infância; enfim, pensava-se
poder intervir sobre isso, em relação
à classe, à educação, tudo isso. Hoje,
predomina a genética. Dizem-nos
que o destino de cada um de nós é,
fundamentalmente, programado. Os
geneticistas usamuma imagem interes–
sante: cada um de nós é como um
rolo de filme fotográfico não revelado.
Obviamente, o modo como você
irá revelá-lo, o modo de imprimi-lo,
podem variar um pouco. Mas, no
fundo, tudo está ali, programado. A
comunidade científica mundial - em
grande maioria - acredita que 80%
de nós dependem do determinismo
genético. Não disponho de dados para
saber se issoéverdadeiroou falso. Mas
afirmo que, obviamente, isso altera a
percepção que cada um de nós tem
de seu destino. Eo fatalismoé também
a astrologia. De uma maneira menos
científica e menos racional, olhamos,
hoje, para as estrelas. Este grande re–
torno da astrologia também faz parte
dessa atmosfera de fatalismo, que está
em toda parte.
Esses dois pólos - o carnaval de um
lado e os riscos do outro - interagem
e se reforçam mutuamente. É clás–
sico. Historicamente, nas cidades
européias, a Peste foi sempre uma
ocasião para a orgia. Porque a Peste,
é claro, a iminência da morte, leva
a aproveitar o momento, o instante
presente aomáximo possível -carpe
diem. Amanhã, poderemos estar
mortos. Portanto, vamos viver o
agora. Há uma descrição de Daniel
Defoe - o autor de Robinson Cru-
soe - sobre a peste em Londres, no
ano 1665, onde conta como, em
uma casa, havia gente morrendo,
enquanto, na casa ao lado, desen–
rolavam-se orgias e bacanais.
Nos Estados Unidos, há uns dois
meses, houve essa polêmica sobre
Anna Nicole, uma pin-upgirl que se
casou com um homem muito rico,
que tinha 99 anos e morreu. Anna
tornou-se uma heroína da publ ici–
dade, da arena, mas também ficou
doente e morreu. Amídia americana
ficou em polvorosa: dedicaram ao
acontecimento transmissões ao vivo
na CNN, boletins urgentes, e por
aí vai. Depois, houve uma questão
sobre a herança, depois o noivo, en–
fim, váriosepisódiosdeumahistória
complicada e picante a que foi dada
ampla cobertura. Passados alguns
dias, os jornais mais sérios - como
oThe NewYork Times - começaram
aquestionar: épossível que um país
como o nosso, que está em guerra
no Iraque, enfrentando tantos pro–
blemas, internamente e em escala
mundial, dedique tanto espaço à
Anna Nicole Smith? A resposta,
obviamente, é SIM. Essa é a conse–
qüência direta, éóbvio! Por estar em
guerra, por ter a peste, é que se vai
em busca da orgia. Todos vão querer
sedebruçaromáximopossível sobre
|b caso Anna Nicole Smith!
Se entrarmos na dimensão política,
o resultado dessa espiral do carna–
val é conseqüência da evolução do
político: de certo modo, poderíamos
dizer que Clinton foi a face alegre
da brasilianização, e Bush a sua
face triste. Com Cl inton eram os
hambúrgueres, os escândalos se–
xuais, a ética cigana burguesa, tudo
o que foi produzido pela cultura dos
anos 60 e que o levou ao poder nos
Estados Unidos: era a face alegre,
o pólo do carnaval - se preferirem
- da brasilianização. E o Bush, por
sua vez, é o pólo trágico, a guerra,
o terrorismo, a parte trágica.
Na Itália, temos um personagem
extraordinário, que consegue reu
-
nir em si próprio os dois pólos de
maneira genial. Esse gênio é Silvio
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