Maio_2008 - page 97

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MAIO
/
JUNHO
DE
2008 – R E V I S T A D A E S P M
Gianni
Vattimo
esquemasconstitutivosdoseumodode
raciocinar,oseventosquelheaparecem
atravésdaexperiênciasensível.Kantafir-
mavaissoparagarantirauniversalidade
daciênciaemrelaçãoàparticularidade
daexperiência.
Qualquer ser humano, diante de um
evento como o vazamento de um
copo, reage racionalmente damesma
maneira,apartirdedeterminadasestru-
turasdepensamentopresentesnamente
humana. Mas outros seres, como os
gatoseasformigas,porexemplo,pode-
riam interpretardemaneiradistintaeste
mesmo acontecimento em função de
esquemasdepensamentodiferentesdos
nossos e, portanto, ignorados por nós.
OeventodoSer, talcomoHeideggero
concebe, éumaespéciede sistemade
a prioris
kantianos não-eternos. Dizer
quearazãohumanaésempre igualem
todososindivíduoseemtodasasépocas
significa atribuir a ela uma força de
permanência da objetividade quando,
na verdade, é a razão que se remete
aosobjetos,enãoocontrário.Atribui-se
assim,à razão,um raciocíniohumano,
e issoéumparadoxodeauto-espelha-
mento.Aimportânciadamorteem
Sere
Tempo
está relacionadaaesteaspecto:
a idéia da mortalidade indica que o
ser histórico é lançadodentrode uma
determinadasituaçãohistórica,naqual
sua razão tambémestácompreendida.
Arazãotambéméhistórica,nãosetrata
de alguma coisa objetiva.Mas quanto
ao enfraquecimento, refere-se apenas
ao nossomundo histórico ou abrange
todasasépocassemexceção?
Para responder aestaquestão, aludo
à minha autobiografia, que intitulei
“Não ser Deus”. O título tem a ver
como fatodequeé impossível imagi-
nar, diante de nós, todas as épocas,
como se estivessem dispostas lado
a lado num panorama. Em tese, só
Deus poderia ter um conhecimento
como esse. Os humanos, por sua
vez, sópodempensar nas diferentes
épocas a partir daquela em que
vivem, reconstruindoe interpretando
aHistória apartir da suahistória. Se
pensarmos na pluralidade histórica
do Ser, partindo da nossa época,
descobriremos que determinado
momento histórico é o resultado
de uma série de reduções de força,
de enfraquecimento. Ao discutir o
niilismo
, Nietzsche afirma: “de um
mundo no qual se pensava que a
verdade era una, como os gregos
chamavam de ‘bárbaros’ todos
os outros povos, a ummundo em
que não existem fatos, mas apenas
interpretações”, há uma mudança
No feudalismo,osconflitosdeixamde
ser resolvidos por meio da violência,
passando a ser resolvidos de forma
mais pacífica. Isto se configura como
umenfraquecimentodoperíodoante-
rior. Jánamodernidade,osenfraqueci-
mentos são bastante diferentes: por
exemplo, o modo comoMaxWeber
enxerga o desenvolvimento do capi-
talismomoderno partindo da Bíblia e
da ética calvinista; isto enfraquece as
fontes sagradasdanossaética, tornan-
do-seum fatohistórico.Antes, o lucro
pertencia a Deus e não deveria ser
consumido.
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