Maio_2008 - page 19

Roberto
DaMatta
19
MAIO
/
JUNHO
DE
2008 – R E V I S T A D A E S P M
inferior indubitavelmente ou como
superior, eu não tenho problema
porque sei exatamente onde voume
situar.A igualdadecomoum idealea
igualdadecomoumacoisanormativa,
como um remédio que você oferece
paradeterminadosgruposparamelho-
raressesgruposqueémaisoumenos
ocasodoGetulismoClássico:“Eusou
o pai dos trabalhadores, então vou
remediar, tirar a classe trabalhadora
da indigência e, com isso, punir um
poucoospatrões,porquevou instituir
uma coisa chamada SalárioMínimo,
queéum saláriomiserávelmas éum
saláriomínimo”.Umacoisachamada
“CarteiradeTrabalho” tambéméuma
droga,umacarteiraquealguémassina
e que atribui a você uma história. O
que, aliás, sai até ao contrário para
o trabalhador, porque tem de ser
“história do trabalhador”; se ele foi
despedidonãoarranjamais emprego
comacarteirade trabalhoporqueestá
toda a história dele escrita lá, uma
coisapolicial.
JRWP
–AindaexisteodebatenatureX
nurtureouéumacoisaantiga?
DAMATTA
– Existe, é um debate
importante.
JRWP
–Natureainda temchance?
DAMATTA
– É um problema episte-
mológicoclássicoequedependeaté
daprópriaexperiênciahumana.Você
explica, reduzindo, um fenômeno
completoouumacoisasimplesqueé
anature, comooDNA, que faz com
queapessoa tenhaessa tendênciaà
criminalidadeouumdesvioqualquer
X ouY, é uma combinação que não
está no fenômeno, mas que acaba
explicando; ou você faz a instância
interpretativa,queéoquecaracteriza
aminhaobra, queéoproblemadas
interpretações noBrasil.Omelhor
exemplo é o Noturno de Chopin,
tocado pelo Horowitz e pelo seu
primo, oupelomeu cunhado José,
láemcasa,depoisdo jantar,porque
o intérprete temumapartitura,mas,
sem ele, aobranão existe. Por isso
a idéia de Comunidades Imagina-
das, quando estamos falando da
diversidade, da identidade é im-
portante, e o conceito de raça não
cede porque ele reduz demais e é
muito difícil explicar fenômenos
sociais reduzindo.
JRWP
– Até os próprios números
não são entendidos e explicados
corretamente.
DAMATTA
– Todos os fatos
sociais têm múltiplas interpre-
tações – e isso os publicitários
entenderam muito bem. E, sem
os publicitários, o capitalismo
industrial não decolava porque
a produção industrial seria insu-
ficiente para traduzir em termos
cotidianos e, portanto, dar um
significado social a determina-
dos tipos de produtos que são
humanizados e personalizados
através da publicidade. Eu diria
que isso não acaba. O Gilberto
Freire não está só falando do
Brasil; ele também está criando
um Brasil que é dele, que ines-
capavelmente está ligado à sua
interpretação. Quando lemos
um Sergio Buarque de Holanda,
temos um outro Brasil criado.
Quando se lê Florestan Fernan-
des... também estou falando dos
grandes intérpretes clássicos.
JRWP
–OpróprioMonteiroLobato.
DAMATTA
– E, falando emMon-
teiro Lobato, quando eu vi uma
fotografia da mãe do Obama,
lembrei-me de um trabalho de
Gilberto Freire, magnífico, que
são fotografias das famílias dos
escravos, e lá tem uma família
branca, com um meninozinho
do lado da ama, abraçado com a
escrava, que ele, provavelmente,
preferia em termos afetivos do
que a própria mãe, porque o
Gilberto faziamuito isso; há uma
sutileza no trabalho doGilberto,
que peloprisma socioeconômico
de um certomarxismo, é impos-
sível verificar porque é gros-
seiro demais, é umamalhamuito
grossa, mas existe isso lá.
GRACIOSO
– Você sabe que
o Presidente Lula já descobriu
um ponto de contato entre o
Brasil e o Obama, ele disse
isso outro dia. O Obama foi
aluno do Mangabeira Unger,
em Harvard.
DAMATTA
– Foi. Mas quando eu
vi a fotografia da mãe do Obama
lá no Quênia, sentada, com um
turbante, isso é uma mulher do
Gilberto Freire. Foi quando eu
lembrei doMonteiro Lobato.
JRWP
–Quero ler o seu artigo.
DAMATTA
– Mando para você
com o maior prazer.
JRWP
– Acho que podemos
encerrar, muito obrigado.
ES
PM
“OOBAMA FOI ALUNODOMANGABEIRAUNGER.”
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