Revista ESPM Mai-Jun 2012 - NEM BABÁ, NEM BIG BROTHER a eterna luta do indivíduo contra o Estado - page 101

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insignificante”. Essa matriz revela que o poder para o
sujeito – envolto pela efemeridade e fragmentado pelas
relações sociais – é o “centro de diversos interesses e a
posse de bens ou a glória e as honras são desesperada-
mente procuradas, o que [pode ser chamado] de potência
social”, deixando de lado, com isso, o que realmente pode
ser considerado a trama da vida desse sujeito.
Pode-se afirmar que o poder do consumo e da refe-
rencialização possibilita, por sua vez, a compreensão
de um combustível narcísico, onde há quem quer ser
visto e quem quer ser a referência para o outro, sem que
necessariamente assumam apenas um desses papéis.
O que por si só já é material importante para estudo.
O espelho contemporâneo
Para relacionar as premissas do
Estádio do espelho
– e
o narcisismo inerente dessa construção – com caracte-
rísticas discutidas no momento social contemporâneo,
cabe resgatar um dos pontos levantados por Lacan. O
psicanalista francês refere-se à busca pela aprovação
externa, que será uma constante, graduada de formas
diferentes, a partir de cada história particular, mas pre-
sente e fortemente estimulada pelas relações grupais. É
cultural, social e constituinte.
Portanto, conclui-se que há relevância no estudo dos
papéis sociais a partir da necessidade de inserção e de
pertencimento dos integrantes de grupos e de tribos. En-
tre os pontos relevantes tambémestão os elementos que
colaborampara concretizar essa experiência – e que nem
sempre conseguem sustentá-la –, tais como o consumo,
a referência, o modelo idealizado de
modus vivendi
, e a
posição do sujeito ante essas escolhas. A relevância, no
caso, é a confluência dessas características com a visão
da vida contemporânea imersa no narcisismo. Este, por
sua vez, pode aparecer como indulgência voltada ao
consumo, necessidade excessiva de exposição em seu
meio e um clamor discriminatório de sua pessoa – que
está inserida em um grupo.
Logo, vale observar que o consumodesmensurado tan-
to pode servir como umalento a frustrações de batalhas
não vencidas quanto de suporte a recalques que teimam
em retornar. Também pode ser prova de uma aproxima-
ção do homem ao imaginário que o persegue – como
ser um herói ou um vencedor. O segundo ponto a ser
destacado é a personalização que, por sua vez, estimula
as raízes narcísicas desse sujeito, fazendo “da sedução
uma representação ilusória do não vivido” – como afirma
Gilles Lipovetsky –, isso que prolonga a oposição entre
o real e a aparência. Esse fato torna o indivíduo mais
solitário e com mais necessidade de se sentir incluído.
Seu refúgio pode estar exatamente numa capa narcísica,
onde se bastar justifica sua incapacidade de ser-se pleno
emumcenário tão abstrato e desprovido dos valores um
dia sussurrados em seu ouvido, ainda no berço.
Por fim, resgatando o processo do espelho defendido
por Lacan, a fragmentação não é apenas fruto da con-
temporaneidade, mas, sim, elemento constitutivo do
psiquismo humano. Ao que os autores Hall, Bauman,
Lipovetsky e Maffesoli apresentam como sinalizado-
res, pode-se compreender como uma percepção de seu
tempo, exterior e não interna. Portanto, sem se ater a
tempos precisos e definidos, a fragmentação percebida
na maturação dos bebês, que permanece por toda a
vida, encontra os braços abertos de uma sociedade
multifacetada, seletiva, consumista, grandiloquente
e antagônica em seus grupos. E essa sociedade cobra
um pedágio para o sujeito se constituir como parte
dela. Valores que assumem o papel da
mãe sussurrante
,
para sujeitos que se tornam
bebês
no seu dia a dia,
na eterna busca por aprovação, por referências e por
sua inclusão. Matéria-prima para o marketing e para
a comunicação.
Paulo Roberto Ferreira da Cunha
Professor de planejamento estratégico e de comunicação
integrada da ESPM-SP, psicanalista, coach, publicitário e autor do livro
O cinema musical norte-americano – gênero, história e
estratégias da indústria do entretenimento
Oconsumodesmensurado tanto
podeservir comoumalentoa frustrações
debatalhasnãovencidasquantode
suportea recalquesque teimamem
retornar. Tambémpodeser provade
umaaproximaçãodohomemao
imaginárioqueopersegue–como
ser umherói ouumvencedor
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