Maio_2005 - page 92

Case-Study
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REV I STA DA ESPM–
S E T EMB RO
/
OU T U B RO
D E
2005
Eu, particularmente, não quero
correr o risco de confundirminhas
funções neste Conselho. Tenho
sempreocuidadodenãomedeixar
levar por impulsos excessivamente
moralistas nem excessivamente
liberais. Os meus votos são frutos
deumaavaliação responsável,mas
que não abre mão de uma atitude
progressista diante da vida.
Voto pela liberação do comercial,
sem restrição alguma.”
ADECISÃODA
SESSÃOPLENÁRIA
DOCONSELHO
DEÉTICA
No dia 25 de junho, o Plenário do
Conselho de Ética decidiu, por
maioriadevotos, acolheroparecer
da relatora Maria Alice Langoni e
recomendar o “arquivamento do
feito”, oque significava, naprática,
informar àRedeGloboque, noque
dependesse doCONAR, os comer-
ciais do Boka Loka podiam ser
veiculados sem restrição.
ADECISÃODA
REDEGLOBO
Mesmo antes dos recursos do
anunciante e sua agência, a Rede
Globo já decidira, como era sua
prerrogativa, não veicular os
comerciais de Boka Loka na sua
forma original. Diante disso, o
anunciante e a agência decidiram
editar uma versão em que os
palavrõesnãoeramenunciados.Em
seu lugar, as personagens apenas
abriamabocacomose fossemgritar
alguma coisa como reação aos
incidentes desagradáveis que as
atingiram.A imagemeracongelada
por alguns instantes nos
close-ups
dos seus rostos, o bastante para
mostrar omauhumor das persona-
gens, insinuar que iriam dizer
alguma expressão acalorada e
revelaraqualidadedobatomanun-
ciado. Tudo isso, sem o uso dos
questionáveis palavrões.
AdecisãodoCONARnão alterou a
postura da Rede Globo. Os comer-
ciais, com aquelas modificações,
continuaram a ser exibidos por toda
a duraçãoda novelaBoka Loka.
EPÍLOGO
Passados quase20anos, IvanPinto
ainda considera o caso Boka Loka
o mais estimulante dos muitos em
que se envolveu. Apesar de envol-
ver umproduto simples, tocavaem
algumas questões fundamentais
para o sistema econômico e social
em que vivemos. Quais os limites
da liberdade de expressão comer-
cial diantedeconceitos tãodifíceis
de definir como a moral, os bons
costumes e o bom gosto de grupos
sociais amplos, como os atingidos
pela mídia de massa? Quais os
limites da publicidade como agen-
temodelador desses limites?Como
decidir o momento em que a
evolução dos costumes permite à
publicidadeadotara representação
de um costume antes considerado
reprovável?Comoconciliarocará-
ter utilitarista e não artístico da
publicidade com a necessidade de
uma aguda criatividade, que a
publicidade partilha com as artes,
para exprimir a identidade das
marcas anunciadas e, mais ainda,
de forma a conquistar a atenção e o
interessedopúblico visado?
1987eraumperíodoespecialnavida
políticaeeconômicabrasileira.Dois
anos antes, o país retomara o
caminho da democracia, depois de
um período de estatização na eco-
nomia e autoritarismo na condução
deassuntos sociais.Grandeparteda
população, nascida no início dos
anos 60, portanto já adulta, não
vivenciara outra situação, mesmo
porque nossas fronteiras tinham
permanecidobastante impermeáveis
todo esse tempo.
Foi somente em 1988, no ano
seguinte ao episódio, que a nova
Constituição Federal consagrou a
liberdade de expressão e estabe-
leceu rigorosos limites para as
restrições quepodem ser impostas à
propaganda.
Atéhoje, IvanPintoencontraopiniões
divididas sobre seu parecer. Mesmo
levando em conta a evolução dos
costumes sociais, muitas pessoas
continuam achando que os comer-
ciais de Boka Loka não seriam
apropriadosparaexibiçãoem2005,
quando esse
case
foi escrito. Outras
pessoas,aocontrário,achamqueele
foi conservador demais, mesmo 18
anos antes, e que a maioria que
votoupela liberaçãodos comerciais
naSessãoPlenáriaéqueestavacerta.
Ivan Pinto sempre acreditou que é
dificílimo haver – e manter – una-
nimidade num grupo social, ainda
mais um grupo amplo e complexo.
Por isso, sempre foi partidário das
doutrinaseconômicasepolíticasque
levam em consideração as decisões
da maioria, mas com respeito dos
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