Setembro_2006 - page 103

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R E V I S T A D A E S P M –
SETEMBRO
/
OUTUBRO
DE
2006
Algumas hipóteses sobre
a retórica do consumo
panhas (comoascriadasparaEternity)
com valores exatamente contrários,
valores exaltando a famíliamoderna
e “classicamentedefinida”, o retorno
ànatureza, aoequilíbrio. Lembremos
que se tratava de campanhas que al-
cançavamomesmo
target
por serem
veiculadas nas mesmas revistas (
De-
tails, Vanity Fair, Vogue, GQ, Rolling
Stones
etc.).
Arespostaparatalcontradiçãoaparente
consiste em insistir que o posiciona-
mento destasmarcas não é um posi-
cionamento de valores “exclusivos”,
mas um posicionamento “bipolar”.
Ou seja, ele é assentado em valores
contrários.Oque, aparentemente, se-
riaumerrocrassodeposicionamento
revela-seumaastúcia.Porumlado,isto
permite ao consumidor identificar-se
com amarca, sem, necessariamente,
identificar-se com um dos seus pó-
los. Mas, principalmente, este posi-
cionamento bipolar pode funcionar
porqueospróprios consumidores são
incitados a não se identificaremmais
a situações estáticas. A publicidade
contemporânea e a cultura demassa
estãorepletasdepadrõesdecondutas,
construídos através de figuras para as
quaisconvergemdisposições,aparen-
temente,contrárias.Mulheres,aomes-
mo tempo, lascivas epuras; crianças,
ao mesmo tempo, adultas e infantis;
marcas tradicionais emodernas. Esta
lógica foi bem sintetizada no
teaser
de uma campanha da própriaCalvin
Klein: “Bebad, begood, just be”.Ou
seja, ummodo de ser próprio a uma
era da flexibilização de padrões de
identificação. Umaépocacomoesta
permitemarcasquetragam,aomesmo
tempo, a enunciação da transgressão
e da norma. Até porque os sujeitos
estão presos a esta lógica de, a um
só tempo, aceitar a norma e desejar
sua transgressão.Apublicidade com-
preendeu issoperfeitamente. Daí por
que,atualmente,elafalaaelesvisando
a este ponto em que transgressão e
norma se imbricam.
NOTAS
1.
Esta pesquisa foi conduzida pelo autor, que teve
oauxílio inestimável edecisivodobolsistaGustavo
FernandesMonteiro. Ela foi financiada pelo Centro
de Altos Estudos em Propaganda e Marketing da
ESPM (CAEPM).
2.
LembremoscomoAdorno,aorefletirsobreaestru-
turamonopolistada industriacultural,afirma:“Tudo
estátãoestreitamente justapostoqueaconcentração
doespíritoatingeumvolumetalque lhepermitepassar
por cimada linhadedemarcaçãoentreas diferentes
firmas e setores técnicos. A unidade implacável
da indústriacultural atestaaunidadeem formação
da política” (ADORNO, Dialética do esclarecimento,
JorgeZahar,RiodeJaneiro,1991,p.116).Podemos
encontrar uma confirmação suplementar deste
caráter sistêmico da cultura demassa através dos
coolhunters,ouseja,profissionaispagosporgrandes
multinacionais queprocuram ver, naprodução cul-
tural,ostraçosparaasnovastendênciasdoconsumo
demassa (ver, principalmente, FONTENELLE,Caça-
doresdocool:pesquisasdemercadode“tendências
culturais” e transformações na comunicação in
CadernosdePesquisaESPM,n.1,2005) .Suafunção
é identificar“novastendênciasculturais quepossam
ser empacotadas, transformadas em commodities,
evendidasnomercadocomercial” (RIFKIN,Jeremy,
Ofimdoemprego,2001:p. 149).
3.
Ver,porexemplo,ocompletoestudodeALBARRAN,
A.,Globalmediaeconomics:commercialization,con-
centration and integration ofWorldMediaMarkets,
IowaStateUniversityPress,1998.
4.
Cf.THOMPSON,John,Mídiaemodernidade,p. 74.
5.
Ver,porexemplo,DEMOOIJ,M.,Advertisingworld-
wide:concepts,theoriesandpracticeof international,
multinational and global advertising, Prentice Hall
College,1994.
6.
Ver,porexemplo,LACAN,Oestádiodoespelhocomo
formador da função do Eu in Escritos, Jorge Zahar,
RiodeJaneiro,1996.
7.
LembremosdaprovocaçãodeOlivieroToscani:“A
publicidadenãoconheceamorte”inTOSCANI,Olivie-
ro;Apublicidadeéumcadaverquenossorri,Objetiva,
1998. Devemos acrescentar, nestamercantilização
do corpodoenteemortificado, a transformaçãode
umcerto ‘sadomasoquismochic’ emparadigmado
comportamento sexual socialmenteaceitoe veicu-
ladopelapublicidade.Aoanalisarcertaspublicidades
demodadosanos90,DianeBarthelafirma:“Insuch
advertisements sadism becomes understandable
andaggression ispresentedas adailypart, evena
desirablepartofdaily life” (BARTHEL,Diane,Putting
on appearances: Gender and advertising, Temple
UniversityPress,1988,p. 81).
8.
DEBORD, Guy; A sociedade do espetáculo, Con-
traponto,RiodeJaneiro,2002,p. 40.
VLADIMIRSAFATLE
Professor defilosofia, doutor emfilosofia
pelaUniversidade deParisVIII e respon-
sável por pesquisas doCentro deAltos
Estudos dePropaganda eMarketing
(CAEPM/ESPM).
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