Maio_2009 - page 19

João
Havelange
compreender. Imagine, quando
ele chegou aqui, Copacabana
não existia... Meu pai formou-se
em engenharia e, logo após, foi
convidadopara trabalhar noPeru,
assinouumcontrato,morou lápor
dez anos, já tinha um sentimento
pela América muito forte quando
se casou e veio para o Brasil;
esse sentimento ele transmitiu a
mim, para meu irmão e irmã, já
falecidos, perdi meu pai muito
cedo, minha mãe também. Digo
que aminha felicidade foi ter tido
um pai de origem estrangeira que
fez com que eu conhecesse e me
arraigasse mais ainda ao país em
que nasci e que não troco por
coisa nenhuma.
Gracioso–Nassuasandanças
pelomundo, a suaqualidadede
brasileiro ajudou mais do que
atrapalhou ou foi ao contrário?
João Havelange – Sempre fui
muito bem recebido. Na China,
por exemplo, na vésperadaminha
eleição à FIFA tive um jantar com
o Embaixador do Brasil naAlema-
nha; quando terminou o jantar ele
me disse “aqui tem um telegrama
vindodaPresidênciadaRepública”
quemeproibiadeentrar nosdeba-
tes daChina, duranteoCongresso.
OMinistro João Lira Filho, irmão
doGeneral LiraTavares, eraomeu
delegado e, quando terminou o
jantar, mostrei o telegrama que
ele leu, e disse “sob minha res-
ponsabilidade você vai intervir, se
houver qualquer coisa oproblema
émeu”. Eu intervi e fui aplaudidís-
simo. Quandome sentei ele disse:
“Vocêestáeleito”.Vejavocêcomo
a política é perigosa...
JRWP –Um erro de avaliação.
JoãoHavelange – Exatamente.
Pequeninas coisas que têm um va-
lor imenso. Fui à China, tive uma
reunião em Dakar e pedi licença
aoComitêExecutivopara ir àChina
– ela não é afiliada e eu não tenho
o direito de me meter e falar em
futebol; deram-me a licença, fiz a
primeira reunião em 4 de maio de
1975 em Pequim, com a Federa-
ção; receberam-me, era para fazer
a China voltar ao seio da FIFA, ela
tinha se retirado há 25 anos. Nesse
intervalo de tempo quem coman-
dava eraTaipé que se dizia “China
apoiadapelos EstadosUnidos” –cá
entrenós,vejacomoosEstadosUni-
dos são um problema, eles querem
impor a vontade deles nomundo...
JRWP – A “pax americana”.
JoãoHavelange – Começamos
então a reunião, eu apresentei seis
propostasparacomeçarmosadialo-
gareas seisme foramnegadas, após
quatro ou cinco horas de reunião;
dirigi-meaopresidente,perguntei se
ele tinhaum telefone, eleperguntou
para que eu queria um telefone.
Respondi que o meu Embaixador
havia chegado, também estava no
hotel, eu me retiraria da reunião e
pediriaaelequeprosseguisse jáque
ele só estava tratando de política
e queria falar de esportes... A boa
decisão eu tinha no bolso, que era
a sétima, mas não apresentei; eu o
sensibilizei, disse “ok, continuando
vou lheapresentarmais uma suges-
tão”, após ele perguntar qual era,
continuei “vamos começar os nos-
sos debates sobre a volta da China
sob os aspectos cultural, esportivo
e diplomático”; ele achou ótimo.
Primeiro eu o cansei e ele acabou
aceitando: apresentei seispropostas
aque ele iadizer “não”, fiz carade
chateado, ele se acalmou; com isso
levei cincoanosparaelesmedarem
o veredicto. O veredicto foi assim:
fui à China pela última vez e disse
“acreditoque tenhoa solução”; de-
pois que elemeperguntouqual era
eu continuei: “AChina volta para a
FIFAcomChinaFutebolAssociation,
eu retiroTaipé,abandeira imperiale
o hino imperial e coloco o hino da
FIFA.Colocamosaindacomofiliado
àFIFAdeChinaofTaipe.Eleassinou.
E quem comandava era o segundo
filho do Chiang Kai Chek, eu disse
aele “Chiangeu tenhoa solução”–
eleeraocomandantemilitarda ilha
queeleeraGeneral epresidenteda
federação – e disse a ele “a China
vai ser assim e você assim”; ele
respondeu “eu não aceito porque
sou China” e eu retruquei “China
é o continente, você é uma ilha” e
ele insistiu “não aceito porque eu
souChina”. Eunãodissenada, pedi
a ele mais umminuto e retirei da
minha pasta um produto que tinha
compradoaochegareestavaescrito
“made in Taiwan” e perguntei: por
que você não põe
made in
China?
Ele ficou pensativo e aceitou. Veja
que, quando se vai discutir ou tratar
de qualquer assunto, deve-se estar
preparadopara algumas coisas e ter
conhecimento de outras tantas para
poder debater dessamaneirae, com
isso, a China voltou não por unani-
midade,masporaclamação.Nemse
votounemnada; todosnocongresso,
em junho, se levantaram e aplaudi-
ram.Achoque issoéumahabilidade
e eu adquiri essa habilidade não foi
naChina,mas noBrasil.
ES
PM
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