Marco_2009 - page 76

Temos de inventar uma utopia viável
R e v i s t a d a E S P M –
março
/
abril
de
2009
76
namoda, nãopreviam ahipótesedo
desmanchedaUniãoSoviética.Enós,
noBrasil,muitomenos.
Na Constituição de 1988, eu estava
lá. Ninguém imaginava que, no ano
seguinte,acabariaomundosoviético.
E a nossa Constituição está cheia de
monopóliosdeaçãodoEstado,porque
isso é normal. Custoumuito trabalho
paradizer: “nãodá, temdeadaptar, o
mundomudou” etc. Essa dificuldade
deantecipar existeem todasaspartes
e,certamente,vaicontinuarexistindo.
O que talvez tenha de existir agora
– se éque as pessoas aprendem com
a História – é uma certa humildade.
Não dá para você imaginar que vai
dominartudo.Emvezdeumavisãotão
dogmática,deve-seabriroportunidade
paraalgumacoisadiferente.Emvezde
imaginarque–nopercursodasuavida
– vai exercer somente uma função,
que épossível exercer outras funções
e criar um espíritomais adaptativo às
circunstâncias, que sãocambiáveis.
Temos muita dificuldade em nos
adaptaràscircunstânciascambiáveis.
Esta semana escrevi um artigo – que
foi publicado no jornal
OGlobo
- a
respeitodeum temabanal,mas real:
omodo de fazer políticamudou, no
mundo. Quem aprendeu a fazer de
umacertamaneira temmuitadificul-
dadedeentender aoutramaneira.O
modode fazerpolíticanomundomu-
dou, porque omundomudou. Hoje
háumamassa imensadepopulação.
Essapopulaçãoestáconectada,deum
jeito ou de outro, e recebe sinais, e
essessinaisnãosão,necessariamente,
analíticos.Aquiloemquepelomenos
eu sou mais forte, que é o discurso
– utilizar a lógica e explicitar pela
lógica–nãoénecessariamenteporaí
queaspessoasaprendem.Aspessoas
aprendemmuitomaispelaemoçãoe
porsinais.Maisdoquepeloencadea­
mento de raciocínios, oumesmo de
encadeamentoentreos sinais.
Severificarmosdequemaneiraaspopu-
laçõessupostamentemenosinformadas
(porquenãosão tãomenos informadas
como se pensa), se informam, verão
que é de maneira bem diferente. Há
experiênciaseestudosnasperiferiasdas
grandescidades,nasfavelasqueencon-
tramumavidaculturalativa.Eamúsica
temumpapel fundamental, nesse tipo
de vida cultural e no relacionamento
político. Não é a política de partido,
é a política no sentido de captar uma
situação e se definir frente a ela. De
protestareépelamúsicaqueprotestam.
O
rap
temumgrandepoderdecomu-
nicação.Nãoporacaso,ascampanhas
eleitorais começaramausar
rap
como
instrumentodedifusão–edeapoio. É
amaneirapelaqualaspopulaçõesmais
jovens,ecomformaçãomenostradicio-
nal,serelacionamumascomasoutras.
A linguagemmudou inteiramente, de
umamaneiramuitoradical.A formade
comunicação do líder com amassa é
outra, jáháalgum tempo.
Certa vez fui candidato a prefeito de
São Paulo e tive a sorte de perder a
eleiçãoparao JânioQuadros.O Jânio
tinha sido Presidente da República,
estava voltando à política. Eu tinha o
apoiodosuniversitários,artistasetc.E
o pessoal olhava com um certo des-
démparao Jânio,porqueeleerauma
figura curiosa. No tempo da campa-
nhaparaprefeito, certavez, vestiu-se
com um quimono, foi para o bairro
japonêsdeSãoPauloeandoudepés
cruzados. Nós achamos ridículo. To-
dosos jornaispublicaramospésdele
cruzados, mas aquilo ganhou toda a
colônia japonesa:uma fotografiadele
fantasiadode japonês, dequimono.
Todas as vezes que o Jânio foi can-
didato a governador, prefeito de São
Paulo, presidente, ele ia com uma
gaiola, com um rato dentro e uma
vassoura,querendodizer: “estácheio
O
rap
éamaneirapela
qualaspopulaçõesmais
jovens,ecom formação
menos tradicional, se
relacionamumascom
asoutras.
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