Julho_2003 - page 23

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R E V I S T A D A E S P M –
J U L H O
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A G O S T O
D E
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tolerância zero], como no caso das
greves, é um dos fatores mais
freqüentemente alegados para a to-
lerância com faltas e discordâncias.
A tentativa é sempre a de liberar o
suficiente para que aprodução não
sofra. Com o tempo, essa estratégia
termina por, intencionalmente ou
não,consolidar tendênciassimilares
àda tolerânciarepressivadescritapor
Marcuse.Dá-se liberdade suficiente
para que a revolta não se justifique.
Percebendo isso,o trabalhador,quan-
dopode, se afasta. Entendendoque
as organizações procedem sempre
assim, seafastacompletamente.
Temosentãoquea linhaque limitaa
tolerânciapolíticanas relaçõesentre
empregado e empregador é dada
pela da renúncia a cooperar (a co-
operação) devida à divergência de
interesses, pela perda de confiança
(a fécompartilhada), pelodescrédi-
to do empregado ou do emprega-
dor, pela ilegitimidadedomóvel da
tolerância.
O LIMITE
FÍSICO
E O
PSICOLÓGICO
A tolerânciapolítica,comoa religio-
sa, seprendeàdistinçãodopúblico
e do privado. A tolerância física so-
bre oque o corpopode agüentar, a
psicológicasobrea liberdadedacon-
duta, a capacidade de suportar e a
condição de ser suportável. A tole-
rância pode ser fruto de uma admi-
nistraçãoarejada,capazdeabsorver
diferenças,poderepresentaruma fra-
queza, pode ser instrumentalizada,
comopropõeGramsci. Elapode ser
sutilmente utilizada para reprimir,
como queria Marcuse. Mas o que,
nas relaçõesentreoempregadoeas
organizações, limita a tolerância no
âmbitopsicofísico, excluídaaenfer-
midade físicaoumental, éoespaço
que o trabalhador tem para ser ele
mesmo. Os limites são a asfixia da
personalidade de um lado e o dis-
túrbio no processo produtivo, do
outro.
O rompimento do limite da tolerân-
ciapsicofísicasedáquandoarelação
entreempregadoseorganizaçõesul-
trapassa o limite da racionalidade, o
irracional, antes de ser ilegítimo.
Essabarreirada racionalidadedeter-
minaumpontoemqueoque se im-
põeeoque se restringeao trabalha-
dornãopodesermaissuportado.De
outro lado, há umponto emque se
torna irracionalmantero trabalhador
que se rebela. Essesdois limitesà to-
lerânciaao trabalho são intimamen-
te relacionados.Masacompreensão
do limite físicoantecedeado limite
psicológico.
Ocálculodo limite físicoaoesforço
humano data da Antigüidade, das
necessidades dos exércitos e do sis-
temaescravagista. Era,porexemplo,
uma das funções do que hoje cha-
mamos de esporte, em especial dos
jogos olímpicos dos gregos, e das
competiçõesdocirco romano, o sa-
ber quanto podemos correr, saltar,
lançar.Na formaque reconhecemos
como científica, o limite físico do
rendimento do trabalho começou a
ser estudado na segundametade do
séculoXIX, quandoapropensãoan-
cestralaracionalizaroesforçohuma-
no ganhou impulso. Os fisiologistas
deentãoestudarama“máquinaani-
mada”, determinandoo loteeconô-
miconaalimentaçãodos escravos e
adistânciadamarchaem funçãoda
resistênciados soldados.
A lógicadosengenheirosnãoeraem
si perversa. Era amesma que os le-
vou a criar o aviãomediante o en-
tendimentodamecânicadovôodos
pássaros. Como a máquina, o ho-
mem é um “conversor de energia”
quecarregaoseuprópriomotor.Pro-
curandoextrairomáximorendimen-
todesseconversor,os fisiologistas fi-
zeramrealizar inúmerosestudos,que
culminaramcomosdeAdolpheHirn
(1815-1890) que definiu o trabalho
como a quantidade de calorias
consumidaspeloesforçohumano,o
HermanoRoberto Thiry-Cherques
“Aginástica
introduzida nas
fábricas e
escritórios, por
exemplo, tem a
funçãode obter
rendimento físico
seja diretamente,
seja pela redução
doabsenteísmo.”
que nos traz à linha de argumenta-
çãodeEspinosa.Eledemonstrou
mo-
res geometrico
(1982, 1999) que a
intolerânciaéuma irracionalidade.O
raciocínio é odeque nãopodemos
serprivadosda liberdadedasnossas
paixões, da nossa expressão e dos
nossos pensamentos porquenão te-
moscomocontrolá-los.Éuma impos-
sibilidade física,comoade levantar
uma coisamuito pesada, não uma
resistência a essaou àquela instân-
cia. Por isso, ensina ele, todo sobe-
ranoque tentagovernar as almas e
as palavras dos seus súditos se ex-
põe à revolta. Trata-se de uma
reação da natureza humana, não
uma rebelião, um motim. Porque
pretenderqueumapessoavenhaa
cercear ouobrigar a suavontade,a
sua expressão, ou o seu pensar é
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