RESPM JUL_AGO 2016

ponto de vista Revista da ESPM | julho/agostode 2016 102 Bolívar Lamounier Apresençadasconsultorias externasnocotidianodasempresas E ste relato sobre a presença das consultorias no dia a dia das empresas é mais um apa- nhado de minha experiência pessoal como consultor do que propriamente uma análise de tal atividade. Esquematicamente, creio poder distinguir três fases na evoluçãoda consultoria externa, cada qual comdura- ção de 10 a 12 anos; uma, dos últimos anos do regime militar até o impeachment de FernandoCollor, em1992; outra, do interregno Itamar Franco e durante os dois mandatos de FernandoHenrique Cardoso (1994-2002); e a terceira, compreendendo os dois mandatos de Lula (2003-2010) e os cinco anos e meio de Dilma Rousseff. Os anos 1980 — conhecidos como a década perdida — foramumperíodo de grandes solavancos na vida brasi- leira. Em1980, DelfimNetto substitui Mário Henrique Simonsen no Ministério da Fazenda e tenta sustentar o crescimento emcondições claramente adversas, com resultados desastrosos: recessão, desemprego e, em seguida, a inflação estacionando num patamar extre- mamente elevado. Em abril de 1984, a campanha das Diretas-Já atinge seu clímax, sem lograr a aprovação da emenda constitucional que restabeleceria a elei- ção presidencial direta na sucessão do presidente João Figueiredo; mas Tancredo Neves vence Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, pondo fim ao ciclo militar. Com a saúde debilitada, Tancredo não chega a tomar posse, falecendo em 21 de abril daquele ano. Quem assume é o vice, José Sarney, a quemcaberia enfrentar o cada vez maior dragão da inflação e uma grande incógnita, a ela- boração da nova Constituição, trabalho que teria início a partir de janeiro de 1987, coma posse do recém-eleito Congresso Constituinte. Apesar dessa impressionante série de problemas, minha impressão é a de que, nesse período, o trabalho das consultorias se concentrou em apenas duas ques- tões: a inflação e a crise da dívida externa. Lá fora, a partir de 1982, a preocupação com a dívida brasileira era enorme. Tive então oportunidade de viajar ao exte- rior, notadamente a Washington e Londres, para par- ticipar de eventos relacionados à crise da dívida. Na esfera doméstica, a pauta política ainda não aparecia com intensidade no cotidiano das empresas; por lhes faltar experiência, imagino, ou talvez porque, nomeio de umtsunami de tal ordem, elas nemvissemutilidade nas orientações que as consultorias lhes viessema ofe- recer. Lembro-me, porém, de haver colaborado comeco- nomistasna elaboraçãode cenários de longoprazo, para empresas que começavama pensar estrategicamente. No limiar da década de 1990, sim, as atividades se intensificaram. As principais consultorias econômicas começaramacontar comcarteirasdeclientes, passando a prestar serviços regulares às empresas contratantes, em reuniões e até mesmo por telefone. Claro, entre a consultoria econômica e a política há uma diferença importante. Os indicadores econômicosmovimentam- se diariamente, portanto sempre há o que analisar, e sempre existe uma base objetiva para as discussões. No quadro político, as variações conjunturais se dão emcompassosmais longos, ensejando ao cientista polí- tico dois tipos de trabalho bem distintos. O primeiro é o acompanhamento cerrado da política brasiliense, em particular a que se desenvolve no Congresso. Nos anos 1990, muitas das grandes empresas passa- rama se preocupar coma tramitaçãoda extensa agenda legislativa do presidente Fernando Henrique no Con- gresso Nacional. Para responder a tal demanda, meu amigo Amaury de Souza e eu desenvolvemos uma téc- nica especial, análoga às pesquisas de opinião pública, a fim de acompanhar o posicionamento do Congresso emnumerosas questões. Como tempo, esse tipo de tra- balho tornou-se rotineiro. O segundo tipo de trabalho é mais analítico. Com o aprofundamento e a crescente complexidade da crise brasileira, não só empresas, mas associações de vários tipos começarama sentir necessidade de compreender melhor os fundamentos do sistema político, deman- dando reuniões ou palestras comesse tipo de objetivo. Bolívar Lamounier Cientista político, diretor-presidente da Augurium Consultoria divulgação

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