Revista da ESPM - SETEMBRO_OUTUBRO-2010

R E V I S T A D A E S P M – setembro / outubro de 2010 54 Antes de condenar os assessores de imprensa ao limbo das definições profissionais, é preciso discutir alguns conceitos. Primeiro, há dificuldade em definir, de forma unânime e universal, o que é jornalismo. Em todo o mundo, a definição de jornalismo é dada emdigressões poéticas ou emexpressões de uma mitologia ética. Segundo o professor Marc Deuze 3 , antes de ser profissão, jornalismo é uma ideologia difusa, que carrega inconsistências e contradições. Em geral, os valores defendidos pelos jornalistas são: INTERESSEPÚBLICO: osjornalistasproveem umserviço público ao defender e se orientar pelos interesses de toda a sociedade. São como cães de guarda (ou watchdogs , do original) do público; OBJETIVIDADE: os jornalistas são imparciais, neutros, objetivos, justos e, por isso, críveis; AUTONOMIA: os jornalistas devem, necessa- riamente, ser autônomos, livres e independentes em seu trabalho; IMEDIATISMO: os jornalistas devem ter o senso de atualidade e velocidade, que é inerente ao próprio conceito de notícia; ÉTICA: os jornalistas são éticos e legítimos. As contradições residem, sobretudo, na evolução das práticas profissionais, da própria sociedade e das expectativas comerciais da indústria jornalística. O conceito de interesse público, por exemplo, conforme defendido pelos jor- nalistas, é incompatível coma sociedade contemporânea. Oprincípio clássico, de dizer o que a sociedade precisa ouvir, pressupõe que jornalista esteja acima da sociedade que o cerca, seja intelec- tualmente, seja em termos de acesso ao conhecimento. Em tempos de audiência fragmentada e acesso ir- restritoà informação, oque temacontecidoémais uma amplificação das conversas da sociedade do queo inverso.Opapel doespectador tradicional já nãoexiste.Atualmente, asociedadedefineaagen- dapúblicapor simesma, compouca, ounenhuma interferênciadosmeiosdecomunicaçãodemassa, como os jornais. Outro ponto que tem de ser lembrado é que o jornal é umproduto. Como tal, temumpúblico- alvo definido, a quem deve atender todas as expectativas. E isso inclui, decisivamente, a definição da pauta. Um jornal econômico que trate exclusivamente de cultura, ou um jornal local que discuta temas globais, será rejeitado por seus consumidores. Nesse sentido, os jornais devem trabalhar a favor não do interesse público, mas do interesse de seu público. Uma segundacontradiçãoéapretensaobjetivida- de jornalística. Apesar de ser este um dos valores com que os jornalistas mais se identificam, é consensoqueaneutralidadeabsolutaéumaficção. Bastalembrarquea FolhadeS.Paulo afirma,emseu primeiro editorial, que é “quase sempre impossível atingir a neutralidade absoluta. Ao contrário, isso é raramente factível. Existem, na realidade, descrições mais neutras, ou seja, mais objetivas que outras; de onde se deduz que a neutralidade é uma quimera, mas aproximar-se de neutralidade não é” 4 . O professor Mark Deuze lembra que o discurso da objetividade, que às vezes assume quase sinô- nimos como “distância profissional” e “imparcia- lidade”, evoluiu da obrigatoriedade para a eterna busca. Se por um lado a declaração de princípios se torna justa, por outro torna os profissionais imunes a críticas.

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