Revista da ESPM - MAR-ABR_2008

17 MARÇO / ABRIL DE 2008 – R E V I S T A D A E S P M Chieko Aoki JRWP – Coisa do machismo japonês? CHIEKO – Eunasci numa regiãodo sul do Japão, que é tipicamente machista. Lá os homens mandam e as mulheres ficam quietas. Só para ilustrar isso – não se lavavam juntas as roupas de homens e mulheres. As dos homens até poderiam ficar à vista, mas as das mulheres, nunca. E eume perguntava: por que não pode lavar roupas de mu- lher e homem juntas? Eu não via dife- rença. Talvez porque as dos homens estivessemmais sujas!Outra coisa tam- bém era que mulher tinha de comer raspa de panela. Na cozinha japonesa se come muito arroz. Naquela época não havia panela elétrica, então se cozinhava no fogo e queimava um pouco. Eu tinha de comer essa parte queimada, e me perguntava: por que eu e não os meus irmãos? A desculpa – diziam– era que as mulheres tinham de ser preparadas para as dificuldades da vida. E eu pensava: e os homens não? Os homens tinham de ter outros tipos de preocupação, mas a mulher tinha de aprender desde cedo, di- gamos, certos tipos de diferenças e sacrifícios, que fossem absorvidos de uma forma natural, como umamissão. Assim, cresci nesse meio em que os homens sempre tinham os melhores pedaços dos sashimi e sushi, e nós os piores. Para mim, ouvir que tinha de CHIEKO – Se for, então é uma dis- criminaçãopositiva. Porque quando se temessa cara de oriental já existe uma predisposição de que se seja sério, honesto. Então para mim se há um legado importante que os imigrantes deixarampara nós é isso: esse carimbo de credibilidade, de confiança que acho ser o maior mérito, a maior con- quista dos imigrantes japoneses. GRACIOSO – Você se formou na USP, em Direito, na São Francisco. De repente você aparece como uma executiva de hotéis. Como aconteceu essa transição? “QUANDO SE TEM ESSA CARA DE ORIENTAL, EXISTE UMA PREDISPOSIÇÃO DE QUE SE SEJA HONESTO.” me dedicar ao marido... era uma coisa normal. JRWP – Onde estava você nessa época? CHIEKO – Em São Paulo. Meus pais ficaram dois anos em Bastos, depois viemos para a cidade de São Paulo. Minha infância foi interessante. Meus pais erammuito focados na educação – comecei a freqüentar a escola com três anos! E não era só um pré-primário, eu estu- dava canto, dança, balé, pintura, cali- grafia japonesa, tudo com essa idade. Eu acho que minha mãe pensou assim: “Vou preparar essa menina para qualquer coisa: se casar, será uma boa esposa, se não casar, estará preparada para a vida”. Isso foi muito bom, e talvez venha disso o meu espírito de assumir riscos, desafiar as coisas, inovar. JRWP – Você acha que o brasileiro discrimina os japoneses? CHIEKO – Não. JRWP – Então por que brasileiros falam que têm amigos japoneses e nunca dizem que têm amigos ale- mães ou italianos? CHIEKO –Acho que por conta da cor, do estilo, acho que o rosto oriental... Enfim essas diferenças visíveis. JRWP – Mas não é uma forma de discriminação? “COMO ORIENTAL, ACREDITO MUITO NA SORTE.” Ð RE/ Veja - Edição 1896 - 19 de maio de 2004 - Arquivo da Propaganda

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