RESPM JUL_AGO_SET 2017
julho/agosto/setembrode 2017| RevistadaESPM 75 shutterstock A última reunião do G20, em Hamburgo, na Alemanha, assistiu ao retorno dos gran- des protestos de rua, permeados por epi- sódios de violência. A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos foi amplamente lida como uma reação da classe média operária norte-ameri- cana aos efeitos da globalização. Depois de eleito, Trump anunciou que os Estados Unidos não ratifica- riam o já assinado Tratado da Parceria Transpacífico (TPP), interrompeu a negociação do Acordo de Par- ceria Transatlântica (TTIP) e notificou ao Congresso a intenção de renegociar o Acordo de Livre Comér- cio Norte Americano (Nafta). Já Emmanuel Macron, mesmo comemorando sua eleição na França com o hino da União Europeia, agiu para impedir a aquisi- ção de empresa francesa por italianos. Enquanto isso, em 2016 o comércio mundial voltou a cair em valor e cresceu em volume apenas 1,3%, abaixo do cresci- mento do PIB global, de 2,3%. Cadê a globalização que estava aqui? O gato comeu? Asmudanças da ordemeconômica internacional ges- tadas nos anos de 1980 introduziram dinâmicas que, se por um lado completaram a transfiguração liberal da ordem do pós-Segunda Guerra Mundial, por outro geraram transformações que agora colocam em xeque os regimes então consolidados. Osímbolopolíticoevidentedessaconsolidaçãoéaqueda domuro de Berlimem1989. No campo econômico, esse episódio se traduz na incorporação à economia “interna- cional” do campoautárquicoaté entãoarticuladonoCon- selhoparaAssistênciaEconômicaMútua (Comecon), sob a liderança soviética e na definitiva aceitaçãodas “econo- mias socialistas de mercado” no sistema. Os países em desenvolvimento, por sua vez, passama buscar também, commenor oumaior intensidade e sucesso, a integração crescente na economia internacional, diante da crise da dívida, o fracasso domodelo socialista e o esgotamento dos modelos de substituição de importações. No campo comercial, as negociações da Rodada Uru- guai (1986-1994) resultaramna criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que, sob o arcabouço do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT, na sigla em inglês), ampliou e consolidou o movimento de maior abertura ao comércio nas fronteiras e por trás delas. Após a implementação dos compromissos registrados na criação da OMC, as tarifas para produtos industriais nos países desenvolvidos caemamédias extremamente baixas, entre 2% e 4% ad valorem e, ainda que compicos tarifários em certos setores, normalmente mais inten- sivos emmão de obra, deixam de ser um impedimento real à expansão do comércio. A discricionariedade na imposição de barreiras ao comércio foi reduzida com disciplinas sobre salvaguardas comerciais, medidas de defesa comercial (direitos antidumping e compensató- rios) e a proibição de acordos de restrição voluntária (que tinhamsido usados nos EstadosUnidos e na Europa para ritmar a ascensão japonesa e de alguns outros países em setores como automóveis e aço). Consolida-se, assim, o marco para a expansão do comércio intraindústria, que floresceu no modelo construído pelos americanos no pós-guerra e trouxe os países europeus, liderados pela Alemanha, e o Japão a uma relação simbiótica com os Estados Unidos, favorável a seu desenvolvimento. As tarifas e os instrumentos de proteção quantitativa aplicadosaprodutosagrícolasnasnaçõesdesenvolvidas,de interessedamaioriadospaísesemdesenvolvimentocome- çaramaserdisciplinados, aindaque tenhampermanecido emníveis de proteção elevados. Oacordomultifibras, que foi usado pelos países avançados para amortecer a perda deempregosna indústriade têxteis econfecçõespormeio de um regime de comércio administrado, foi eliminado. Em troca, teve início o disciplinamento da inserção dos países emdesenvolvimento no sistema. Eles assumiram compromissos tarifários para o universo tarifário; acei- tarammaior disciplinamento da concessão de subsídios e da utilização de salvaguardas por motivos de balanço de pagamentos; foi-lhes estendida a proibição de subsí- dios à exportação já vigente para países desenvolvidos; explicitaram-se, no Acordo deMedidas de Investimento Relacionadas a Comércio (TRIMS, na sigla em inglês), as proibições de exigências às empresas de performance de exportação e de conteúdo local na produção. Alémdisso, delimitou-se e, emmuitos casos, limitou-se o tratamento especial e diferenciado a favor de países em desenvol- vimento, princípio consagrado no pós-descolonização. Por um lado, esse conjunto de disciplinas reduziu os ins- trumentos que permitiam desconectar parcialmente os países em desenvolvimento dos circuitos econômicos internacionais e, por outro, consolidou amudança de sua agenda, da buscade transformaçãoda “ordemeconômica
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