RESPM MAI_JUN 2016

educação corporativa Revista da ESPM |maio/junhode 2016 94 Q uandoiniciamosnossacarreiradeconsultoresde ética, em2005, nosso primeiro cliente, o antigo Banco Real, possuía umdepartamento de com- pliance.Dentreas32empresasparaasquaispres- tamosconsultoriaaté2008,essebancoeraaúnicainstitui- çãoqueadotavaessesistemadeorientação. Nossosoutrosclientestinhamumaposturaavessaàimplan- taçãodocompliance,achavamum“modismo”desnecessá- rioqueserviapara“aumentaroscustos”e“burocratizar”as relaçõesdetrabalho.Asempresasdepositavamnodeparta- mentojurídicoassoluçõesparaosproblemaséticoselegais. No auge do crescimento econômico dos doismanda- tos do ex-presidente Lula e nos dois primeiros anos dos mandatos da presidente Dilma Rousseff, as empresas brasileiras obtiveramvantagens do governo, e algumas delas decidiram se prestar ao papel de corruptoras do Estado e das estatais. O surgimento de novos escânda- los de corrupção em 2012 levou a Presidência da Repú- blica a tornar mais rígidas as leis anticorrupção, como as reformulações na Lei de Lavagem de Dinheiro, na Política de Responsabilidade Socioambiental e no Sis- tema de Autorregulamentação Bancária. Seguindo as tendências internacionais, a presidente Dilma regulamentou os compliance s por meio da Lei nº 12.846/2013 — a Lei da Empresa Limpa. Paralelamente às pressões internacionais, o mercado brasileiro tem se esforçadopara incorporar, comdificuldade, aáreadecom- pliancenaestruturaorganizacionalenaculturadaempresa. Essaresistênciatemduascausasmuitosimples:aprimeira residenoideárioqueestruturaasvisõesdemundodosadmi- nistradoresqueatuamnomercadofinanceiro.Lembrando queideárioéoconjuntodeideiasestritaspelasquaisaspes- soasestruturamsuavisãodemundo,distintadaabrangên- ciaeprofundidadedeumaideologia,comodefineMarilena Chaui, em Oque é ideologia? (EditoraBrasiliense, 2008). Há uma crença compartilhada na “mão invisível” libe- ral, ondeaspaixõese interessesdecadaagenteentramem harmoniacomosinteressesdaempresaedasociedade.Um departamentodefiscalizaçãoeaplicaçãodeleis,consonante commedidas de intervenção estatal, gera sentimentos de incômodoededescréditodas ideias liberais. Asegundacausaresidenosconflitosinerentesàadaptação docompliancepelosfuncionários,querelatamsermaisum modismosemsentido.Asempresas,muitasvezes,nãosabem organizar aatuaçãodas áreas jurídicaede recursoshuma- nos, ignorandoopapel daeducaçãocorporativanoprojeto. Ascondiçõeshistórico-culturaisdacorrupçãoempresa- rialocorridasnasdécadasde1970e1980nosEstadosUnidos criaramasexigênciasjurídicaseeconômicasquelevaramas corporações a criar umdepartamentode compliancepara fiscalizarsuasatuaçõeseimpedirprocessosmilionáriosdas recém-criadasagências reguladorasdoEstado. A pressão social pela crescente fiscalização do governo americano nas atividades das empresas atingiu emcheio os ideários da economia americana. Teóricos neoliberais comoMilton Friedman criaramprogramas de televisão e livros defendendo o livre mercado, como é o caso de sua obratelevisivaeliterária Free to choice (Harcout,1980).Mas tevepoucosucessoemreverteraopiniãopúblicaeconteros mecanismosdecontrolesocialsobreaspráticascomerciais. Os departamentos de compliance materializaram o fracasso moral do pensamento neoliberal, pois ques- tionavam a liberdade econômica e a “mão invisível” do mercado defendida por AdamSmith, em1776, no livro A riqueza das nações (Martins Fontes, 2003). A “lógica racio- nal” dos negócios não conseguia mais conter os “egoís- mosgananciosos” elogiadospelos teóricosdo liberalismo. Na crise econômica de 2008, assistimos aofimda crença na racionalidade do livremercado e a necessidade de um controlemais eficiente. Diantede inúmeros casosde falência, processosmilio- nários e prisões de executivos, os CEOs americanos se viramobrigados a renunciar parte de sua autonomia e se submeterema umafiscalização interna do compliance. Porémmuitos executivos associam erroneamente o liberalismo como capitalismo e acreditamque umaten- tado aos ideários do primeiro é um atentado ao sistema Hilary Clinton, defensora do Estado de bem-estar social, segue a linha econômica idealizada pelo suecoKarlMyrdal shutterstock

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