RESPM MAI_JUN 2016
entrevista | Jorge Abrahão Revista da ESPM |maio/junhode 2016 42 Revista da ESPM — Então, qual é o aprendizado? Abrahão — Um deles é o de que precisamos desmontar o sistema que levou ao impasse. É pensar que temos um problema sistêmi- co no país. A política dos parti- dos está vinculada aos interesses privados e é muito influenciada pelo poder econômico. Temos de enfrentar uma reforma política. Para ter uma política em que haja menos influência do poder eco- nômico, uma representação mais clara, uma participação maior da sociedade, que não tenha de espe- rar quatro anos para melhorar o processo democrático. Revista da ESPM — O discurso das empreiteiras flagradas na Lava Jato é o de que o ambiente de negócios no Brasil exige o pagamento de propina para ser competitivo em licitações. Há quem diga que você pode dese- nhar a melhor política de complian- ce do mundo, mas não vai conseguir aplicá-la se tiver um ambiente polí- tico que demanda propina. Como se muda isso? Abrahão — As eleições deste ano, sem financiamento empresarial, serão um grande início. A partir de então, a sociedade poderá criar fer rament as de cont role. Você sabe quanto cust a uma propa- ganda na TV, num outdoor, num jornal. Não é que não possa haver alguns deslizes imperceptíveis. Há, mas os deslizes maiores serão percebidos, porque você saberá qual o valor que os políticos têm para fazer campanhas. Você não vai poder ter anúncios espalhados pela cidade toda, porque isso vai evidenciar caixa dois. Revista da ESPM — Já há marque- teiros dizendo que, sem financia- mento empresarial legal, vai aumen- tar o caixa dois nas campanhas. Abrahão — Há organizações do Terceiro Setor que podem se pre- pa ra r pa ra cont rola r isso. Isso existe em outros países. Significa que vai zerar? Pode ser que não, mas a sociedade terá elementos para controlar esse processo. Revista da ESPM — E as empre- sas, como podem começar uma vira- da pró-compliance? Abrahão — Estamos tendo uma experiência no Brasil que vai in- duzir as empresas a criar sistemas de compliance. Elas não precisam atuar apenas individualmente. O Ethos estimula a ação coletiva das empresas. A soma das transforma- ções individuais não dá conta dos desafios. O Ethos trabalha com pactos setoriais, uma metodologia da Transparência Internacional. O setor continua tendo competição entre as empresas, mas identifica onde estão os grandes riscos de corrupção. Ao lidar com uma agên- cia reguladora, por exemplo. A par- tir daí, conjuntamente, temos de desencadear uma ação para mitigar esse risco e criar um pacto. Vamos mapear as nossas empresas e de- senvolver ações conjuntas. Revista da ESPM — Há exemplos de setores que estão fazendo pactos? Abrahão — Sim, nós fizemos um pacto setorial da saúde, que viveu um enorme problema de órteses e próteses. O grau de corrupção entre as empresas, os hospitais e os profis- sionais da medicina chegou ao ponto de se tirarem [amputarem] braços e pernas para implantar próteses. Como houve denúncias, essas em- presas iam quebrar. Elas precisavam criar um acordo para permanecer no mercado. Chamaram o Ethos e, ao final do processo, 240 empresas assinaram o Pacto da Saúde, com compromissos em relação ao com- portamento delas com o poder pú- blico, os hospitais e os médicos. Com isso, surgem as bases para resolver o problema. Depois impõe-se a tarefa de monitorar. É umprocesso. Revista da ESPM — Qual a sua opinião sobre mudar o nome da empresa quando ela é envolvida em escândalos? Abrahão — Minha leitura inicial é a de fragilidade. Vale mais uma marca que reconhece seus proble- mas e consegue se transformar. A Cada vezmais, é preciso olhar essa geração de valor para a sociedade de uma formamais ampla. Issonão significa reduzir a importânciado lucro. Significa calibrar a importânciado lucro
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