RESPM_MAR_ABR_2015 ALTA
março/abril de2015| RevistadaESPM 55 Anossa habilidade de entender as situações depois que elas acontecem– ou de acreditar que as compreendemos – contribui para a ilusão de que podemos prever o futuro de “visão de fora” desse tipo de incidente. Ver quão significativo o incidente realmente é, para tentar não enviesar um processo de de- cisão [no futuro] visando evitar o mesmo tipo de erro. Alexandre — Estamos lidando com perdas pesadas na bolsa de valores nos últimos tempos. Sua comparação dos resultados dos gestores de ações com pura sorte, para o bem ou para o mal, é famosa. Uma vez que entendemos que não é possível “derrotar o mercado”, existe algo que se possa fazer para “atrair boa sorte”, ou isso é algo real- mente fora do controle dos gestores? Kahneman — Por definição, gesto- res têm algum controle. Não é tudo sorte, mas, por definição, sorte é justamente aquilo que você não controla. Gente como Nassim Taleb [o ex-operador de mercado que es- creveu o best-seller A lógica do cisne negro ] alega que é possível se man- ter no território mais seguro se você for muito conservador, pensar que desastres podem acontecer e se pro- teger contra eles. Não estou certo de que isso seja sempre plausível. Alexandre — Nosso ministro da Fa- zenda disse recentemente a banquei- ros internacionais que está confian- te na aprovação de suas medidas de ajuste fiscal pelo Congresso brasi- leiro porque acredita no “instinto de sobrevivência” dos políticos. Inde- pendentemente das peculiaridades da política brasileira, o senhor acha que ele pode ter razão? Kahneman — Instinto de sobrevi- vência é só uma frase popular. Não é um conceito psicológico. Tudo o que ele quer dizer é que os políticos estão atentos para os custos de co- meter grandes erros, que tenham grande impacto. Para o fato de que eles serão culpados por isso. Alexandre — Claro, mas o que estou querendo discutir é se o senhor acha que há alguma base científica por trás dessa ideia? Kahneman — Não, mas quando as pessoas veem um risco muito severo, elas o evitam. Não há por que chamar isso de instinto de sobrevivência. É uma frase, e não uma afirmação científica. Obviamente, os políticos querem ser reeleitos. Se você quiser chamar isso de sobrevivência ou de sobrevivência política, tudo bem, mas não é umconceito científico. Alexandre — Hoje, no Brasil, o em- presariado parece paralisado diante da simples perspectiva de uma crise financeira, e o governo reclama um bocado da falta do chamado “espírito animal”, citando Keynes. A economia comportamental tem algo a nos ensi- nar nessa matéria? Kahneman — Não estou certo. Pen- so que, em geral, a economia com- portamental, até onde eu sei, não tem tanto assim a dizer sobre ma- croeconomia. Essa questão sobre como influenciar o nível geral de confiança soa como algo que a eco- nomia comportamental deveria ser capaz de abordar, mas eu realmente não sei o que dizer. Não sei se algum economista comportamental já li- dou com essa questão sobre o nível geral de confiança na economia e como ela poderia ser influenciada. É uma questão importante. Alexandre — Warren Buffett disse certa vez: “O amanhã é sempre in- certo, não deixe que essa realidade te assuste”. O senhor concorda com este tipo de declaração? Kahneman — (risos) Warren Bu- ffett é um sábio. Ele diz coisas que são óbvias e que se tornam interessantes só porque Warren Bu f fet t as d isse. Qua lquer um poderia ter dito isso. Mas só é in- teressante porque Warren Buffett é que disse. A frase quer dizer que existe incerteza e que você não deve deixar que ela te paralise. É só uma frase que não deveria ser levada tão a sério. Obviamente, há muita coisa por trás dela. As pessoas sabem que, se ela veio de Warren Buffett, também quer d i zer que você tem de colet a r muita informação antes de fazer um movimento e assim por dian- te. No contexto de ser uma frase de Warren Buffett, ela tem algum significado, mas se você tomar apenas a sentença em si, não quer dizer muita coisa.
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